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RIO+10
Quase derrotada, meta de 10% de energias renováveis será defendida pelo presidente junto a chefes de Estado
FHC tentará salvar a proposta brasileira
Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
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FHC vê fotos com dono do restaurante Le Canard, Chet Diepraam, após jantar com sua comitiva |
ELIANE CANTANHÊDE
CLAUDIO ANGELO
ENVIADOS ESPECIAIS A JOHANNESBURGO
O presidente Fernando Henrique Cardoso vai assumir pessoalmente a defesa da proposta brasileira de uma meta de 10% de energias renováveis (como a solar e o
álcool combustível), durante a
reunião de chefes de Estado da
Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio +10),
a partir de hoje.
Apesar de a meta ser considerada quase derrotada, o ministro
Celso Lafer (Itamaraty) disse ontem à Folha que ela é um orgulho
para o Brasil: "A manifestação do
presidente é importante, porque
dá dimensão política à proposta
brasileira e consolida uma posição de liderança no cenário internacional".
Ainda segundo Lafer, o presidente decidiu marcar posição a
favor da meta de 10%, mesmo sabendo das dificuldades na negociação, porque considera que ela é
justa e diz respeito ao futuro da
humanidade: "A semente está
lançada".
Apesar do esforço brasileiro, a
proposta foi rejeitada pelo próprio G-77, bloco dos países pobres, que se rendeu às pressões
dos países árabes, em especial da
Arábia Saudita, que insistem em
usar o petróleo -não-renovável,
mas sua principal fonte de renda.
Pressão final na energia
Os negociadores brasileiros em
Johannesburgo ainda não jogaram a toalha sobre a iniciativa.
Numa reunião ministerial ontem
à noite (que não havia sido concluída até o fechamento desta edição), o ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, tentaria trazê-la de volta à mesa. Mas
afirmou: "Ela está com sua viabilidade muito comprometida".
A solução proposta por consenso pelo bloco foi quase retórica:
em vez de uma meta comum e
obrigatória para todo mundo, pede-se aos países que simplesmente aumentem o total de renováveis, deixando a critério deles a fixação de metas regionais.
"É preciso respeitar as especificidades de cada país", tem dito
Lafer desde que chegou a Johannesburgo, na sexta-feira.
Ambientalistas, cientistas e governos se dizem revoltados com a
rejeição da meta. "Considero [o
texto produzido pelo G-77] absolutamente insatisfatório", declarou ontem o ministro do Meio
Ambiente.
Para o criador da proposta
energética brasileira, José Goldemberg, a decisão do G-77 é "vazia". Segundo Goldemberg, secretário de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, a Rio +10 não tem
o poder de permitir ou proibir iniciativas regionais.
Os demais países que apóiam os
10% fazem o jogo do contente.
"Você prefere isso ou nada?"
-questionou a ministra do Ambiente da Venezuela, Ana Elisa
Ozorio, refletindo a tensão das negociações no bloco.
A Arábia Saudita, pomo da discórdia do G-77 na questão energética, é um dos principais produtores de petróleo do planeta e aliado importante dos EUA. Organizações ambientalistas acusam o
governo de George W. Bush de estar por trás do racha.
"Não posso dizer se houve influência dos Estados Unidos. Mas
a posição saudita, contra metas
em energia, coincide com a americana", disse Carvalho.
Combustíveis fósseis
A adoção de energias renováveis e acessíveis aos pobres é considerada um dos temas-chave da
Rio +10. Afinal, os combustíveis
fósseis (petróleo, carvão mineral e
gás natural) são culpados não só
pelas emissões dos gases que causam o efeito estufa -o aprisionamento do calor da Terra na atmosfera-, como também por
concentração de renda e problemas de saúde, males que a cúpula
pretende combater.
Se a proposta brasileira realmente ficar fora do baralho, a única meta de Johannesburgo para
uso de renováveis será a proposta
da União Européia, que pretende
aumentar o percentual para 15%,
mas incluindo na conta as grandes hidrelétricas (consideradas
prejudiciais ao ambiente) e todos
os tipos de biomassa.
"Minha esperança é que a UE
atenue a proposta", disse Goldemberg. Referia-se a eventuais
ressalvas que poderiam ser incluídas para tornar a meta mais "sustentável" -a submissão das represas a diretrizes ambientais internacionais, por exemplo.
Seja como for, afirmou o secretário paulista, a iniciativa ganhou
"uma visibilidade extraordinária"
em Johannesburgo.
"A década passada foi a década
do carbono. A próxima será das
fontes renováveis."
Negociações
Além de energia, até o começo
da noite de ontem ainda havia divergências nas negociações sobre
os seguintes pontos: os princípios
do Rio, saneamento, comércio e
finanças e saúde.
Um protesto de ambientalistas
dentro do Sandton Centre durante a reunião de ministros, à noite,
conseguiu fazer com que fosse excluído um parágrafo do texto referente a comércio e finanças que
subordinava acordos ambientais
às regras da OMC (Organização
Mundial do Comércio).
"O texto era um absurdo", disse
Marcelo Furtado, do Greenpeace,
ONG que participou do protesto
ao lado do WWF (Fundo Mundial
para a Natureza).
Também foi acordada a responsabilidade corporativa, segundo a
qual empresas terão de responder
por crimes ambientais -uma
exigência antiga das organizações
não-governamentais.
As ONGs que acompanham a
reunião querem pressionar para
que a questão energética saia da
mão dos negociadores e seja decidida pelos chefes de Estado. "É
único jeito de quebrar o impasse
árabe", disse Furtado.
FHC "embaixador"
Assessor especial de FHC na Rio
+10, Fábio Feldmann afirmou
que o presidente vai ter posições
de vanguarda porque deve se
transformar no principal embaixador internacional do desenvolvimento sustentável após deixar a
Presidência, em janeiro de 2003.
A Rio +10 é o último grande encontro internacional antes disso,
e, segundo Feldmann, FHC ocupou um espaço político que nenhum outro líder de país subdesenvolvido conseguiu -Índia,
China ou Rússia, outros países de
dimensão continental e considerados "em desenvolvimento".
"FHC é o candidato natural para falar em nome dos emergentes
pela causa do desenvolvimento
sustentável", disse Feldmann.
FHC, que se encontra hoje à tarde com Nelson Mandela, o mito
anti-racismo internacional, tem
agenda curta, mas cheia, em Johannesburgo. Ontem, ele recebeu
a diretoria da empresa Marcopolo, que fabricou os ônibus de Johannesburgo para a Rio +10, e só
saiu à noite, para jantar no restaurante Le Canard.
Hoje, FHC participa da sessão
inaugural da reunião de cúpula
(presidentes e primeiros-ministros) da Rio +10, quando fará discurso de cinco minutos, defendendo a ajuda financeira dos ricos
aos pobres. Ou, como antecipou
em Brasília, "passando o pires".
Ele também tem encontros isolados com Gerhard Schröder
(Alemanha), Helen Clark (Nova
Zelândia), Leonid Kushma (Ucrânia) e Mary Robinson (ONU). À
noite, jantar com chefes de Estado. Amanhã, terá um dos principais compromissos da agenda,
uma reunião com os países megadiversos (com a maior número de
espécies do planeta), e outros encontros. A volta para o Brasil será
às 16h15 (11h15 de Brasília).
O jornalista Claudio Angelo viajou a Johannesburgo a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia
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