São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2008

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Flor usa nicotina em manipulação sexual

Espécie de tabaco selvagem libera substância tóxica para afastar aves e insetos que roubam seu néctar

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

As flores de uma espécie de tabaco selvagem manipulam o comportamento dos seus "cúmplices" sexuais, os insetos ou pássaros responsáveis pela sua polinização, segundo pesquisa feita na Alemanha.
Usando odores para ora atrair, ora repelir os animais, as flores otimizam sua "vida sexual" -isto é, o cruzamento com outras plantas que é benéfico à sobrevivência da espécie.
Uma das substâncias usadas pela flor é a conhecida nicotina, que causa a dependência química do fumante ao invadir o seu cérebro. Ao contrário dos humanos, os insetos e aves são repelidos pelo cheiro da nicotina presente no néctar da flor do tabaco selvagem. Isso é especialmente útil como "guerra química", quando a planta precisa se defender de insetos que roubam seu néctar ou comem a flor, mas sem fazer polinização.
Porém, como para ser polinizada a flor precisa atrair o animal, ela também produz um odor agradável -que lembra jasmim ou morango- através de outra substância, a benzil acetona.
Segundo o líder da pesquisa, Ian Baldwin, do Instituto Max Planck para Ecologia Química, de Jena, Alemanha, o estudo mostrou "como as plantas resolvem um dilema muito importante: como obter sexo. As plantas fazem sexo, como outros organismos".
O problema é que a planta é um ser vivo imóvel. Em geral, isso se resolve pela "autopolinização", pois a flor inclui órgãos sexuais masculinos e femininos. O pólen é o equivalente na planta do espermatozóide.
Mas o "sexo" com outras plantas mediado pelos polinizadores é vantajoso para melhorar a aptidão biológica, passando características variadas e genes em uma população que podem facilitar sua sobrevivência, especialmente a capacidade de adaptação a mudanças ambientais. Esse cruzamento é obra da coevolução das plantas com insetos e aves que ocorre há dezenas de milhões de anos.
"As plantas usam muitos meios para atrair polinizadores, incluindo dicas visuais e odor", lembram Baldwin e dois colegas, Danny Kessler e Klaus Gase, em artigo na revista científica "Science". Isso explica a variedade em uma floricultura.
Eles testaram o papel da nicotina e da benzil acetona no relacionamento do tabaco (Nicotiana attenuata) com dois polinizadores, um beija-flor (Archilochus alexandri) e uma mariposa (Hyles lineata).
Diferentes tipos de plantas transgênicas foram montadas para o estudo.
Baldwin e colegas filmavam as flores desabrochando de noite e atraindo (ou não) mariposas e beija-flores, além de medir de manhã o quanto restava de néctar.
As plantas sem as substâncias estudadas eram menos visitadas. E as que não produziam nicotina tinham metade do líquido das outras, indicando que os polinizadores puderam beber à vontade -mas com isso, deixavam de visitar outras flores e espalhar pólens. Para a flor do tabaco selvagem, o ideal é que o polinizador "beba com moderação".
Para demonstrar as vantagens reprodutivas da polinização e da "manipulação" feita pela flor, a equipe fez dois outros testes científicos. Um envolveu flores sem o órgão masculino, a antera, o que impedia a autopolinização e permitiu checar a fertilização feita só com auxílio dos "cúmplices" animais. Ficou claro que apenas as plantas normais, do experimento-controle, recebiam pólen de outras. Outro teste checou a "paternidade" das sementes fertilizadas. E mostrou que as plantas normais, produzindo nicotina e benzil acetona, tinham mais sucesso no processo reprodutivo.


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