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ENTREVISTA DA 2ª - NINA FEDOROFF
Brasil pode convencer África a aceitar os transgênicos
Assessora científica de Hillary Clinton prega "parceria" entre brasileiros e americanos para disseminar biotecnologia
A PARCERIA diplomática e
científica entre o Brasil e os
EUA pode ajudar a vencer a
resistência dos países africanos aos transgênicos e abrir caminho
para que vegetais geneticamente modificados tenham um impacto positivo
para a segurança alimentar do mundo.
É o que diz a bióloga Nina Fedoroff, 67,
assessora especial de ciência da secretária de Estado Hillary Clinton.
Originalmente indicada por Condoleezza Rice para o cargo, ela se abstém
de criticar o governo George W. Bush,
ao contrário de muitos cientistas americanos, mas afirma que o presidente
Barack Obama foi quem mais abraçou o
conceito de "diplomacia científica".
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Segundo ela, trata-se de usar
a colaboração internacional entre pesquisadores como forma
de fortalecer a ação conjunta
sobre temas controversos, como os transgênicos -ou o
aquecimento global e a explosão populacional, duas de suas
grandes preocupações.
Fedoroff esteve em São Paulo na semana passada para tentar ampliar as parcerias na área
de ciência e desenvolvimento
entre americanos e brasileiros.
Em entrevista à Folha, reconheceu que é muito difícil fazer
com que o público americano
se importe o suficiente com as
mudanças climáticas para levá-lo a agir. Ela diz que estudos sobre a biologia das plantas cultivadas podem ser um caminho
"semitecnológico" para minimizar o carbono na atmosfera e
ataca os que rejeitam os transgênicos. "Não existe nenhum
risco real. Os riscos, depois de
13 anos de plantio comercial,
continuam sendo hipotéticos."
FOLHA - A sra. foi nomeada em
2007, durante o governo Bush, e foi
confirmada no cargo na gestão Obama. Como avalia as diferenças entre
ambos na diplomacia científica?
NINA FEDOROFF - Bem, é um pouco difícil resumir a diferença à
mudança de governos. Acho
que toda a evolução em como a
ciência é usada nas relações internacionais mudou ao longo
das últimas décadas. Há 40
anos, 50 anos atrás o que importava era o uso disso para
vantagens militares e comerciais, na corrida espacial. Mais
recentemente, o que estamos
vendo é uma tentativa de usar
as universidades para encurtar
a lacuna que existe entre as nações mais desenvolvidas e menos desenvolvidas, tanto tecnologicamente quanto em termos
de educação e pesquisa. E o
atual governo abraçou completamente esses conceitos. Não
que o governo anterior fosse estranho à ideia, mas agora isso
veio para a linha de frente.
FOLHA - O que a sra. tem como objetivo nos seus contatos com a comunidade científica aqui?
FEDOROFF - Trata-se de uma intersecção entre a minha própria formação científica e a minha diplomacia pública, porque
acho que um dos temas nos
quais o Brasil e os EUA estão
muito próximos é a ideia de
abraçar a moderna biologia
molecular para modificar lavouras, a coisa que todo mundo
chama de OGMs [organismos
geneticamente modificados].
O Brasil tem uma história
ambivalente a respeito disso,
mas acho que, nos últimos cinco anos, houve uma evolução.
Achamos que isso é tremendamente importante porque pode
nos permitir usar a biologia
molecular não apenas nos nossos dois países ricos, mas para
nos unir e ajudar países onde a
produtividade agrícola não teve
tanto apoio da ciência como o
que existe no Brasil e nos EUA.
Nesse ponto, existem diferenças enormes, particularmente na África. Porque a rejeição da Europa aos OGMS, que
não é cientificamente fundamentada, mas é muito forte,
tem criado um efeito extremamente negativo na possibilidade de usar essas técnicas na
África, onde elas são muito necessárias. E uma faceta maravilhosa dessas tecnologias é que
elas independem de escala: ajudam o pequeno produtor tanto
quanto o grande. Um dos objetivos da minha vinda é favorecer essa colaboração, e tivemos
discussões muito ricas sobre
como os setores público e privado podem colaborar nisso,
unindo-se para aumentar a
produtividade em países que
ainda não chegaram lá.
FOLHA - Muita gente critica o fato
de que os transgênicos disponíveis
no mercado servem apenas para resistência a herbicidas, enquanto a
promessa dos transgênicos que ajudariam a combater a desnutrição
nunca se realiza.
FEDOROFF - O grande gargalo é o
excesso de regulação. Não são
os direitos de propriedade intelectual. Temos um ótimo
exemplo, que é o arroz dourado
[com vitamina A]. Nesse caso,
os problemas com patentes foram resolvidos com a ajuda de
parcerias entre as empresas e o
setor público, e entre os compradores e Ingo Potrykus [pesquisador suíço], que desenvolveu o arroz. Foi tudo resolvido
num só ano. E isso já faz dez
anos. É algo puramente político, e o lado político é que determina o processo regulatório.
Todos os países ou bloqueiam
completamente [os transgênicos] ou criam um excesso de regulação. Inclusive os EUA e o
Brasil. Creio que hoje há 125
milhões de hectares no mundo
plantados com OGMs, por 13,5
milhões de agricultores. Ninguém morreu -e as pessoas
morrem de envenenamento
por pesticidas o tempo todo.
Não existe nenhum risco
real. Os riscos, depois de 13
anos de plantio comercial, continuam sendo hipotéticos. E,
contudo, há muita convicção
pública de que há algo errado.
FOLHA - Seria possível diminuir essa resistência se as empresas fossem
mais flexíveis em relação à propriedade intelectual? Ou a questão tem
mais a ver com ideologia?
FEDOROFF - Acho que tem mais
a ver com mitologia, porque as
empresas já têm feito isso. Os
problemas de propriedade intelectual não são tão grandes
porque você sempre pode conseguir uma licença, e essas empresas têm dado essas licenças
de graça para países que não
podem pagar, ou quando se trata de lavouras com pouco interesse comercial para elas.
Então, não é a propriedade
intelectual, são os mitos em
torno dela, são os mitos de que
de alguma forma a Monsanto
vai forçar você a comprar sementes. Ora, ela não pode fazer
isso. O único trunfo dela é criar
sementes que tragam mais lucros para o agricultor.
FOLHA - Quem observa o debate
sobre o aquecimento global nos
EUA tem a impressão de que argumentos científicos não conseguem
convencer o público americano a
agir. O que está faltando no debate?
FEDOROFF - Acho que, se Obama
conseguir aprovar a reforma do
sistema de saúde, ele estará numa posição mais forte. Acho
que ele aceita os argumentos
científicos, e realmente trouxe
para a mesa gente que entende
esses argumentos. Mas é verdade que, em relação à opinião
pública, a aceitação de que o
aquecimento é real chegou a
um máximo...
FOLHA - ... e está começando a cair.
FEDOROFF - Sim, o que não é tão
surpreendente assim. Porque o
custo é alto, e o montante de dinheiro disponível para manter
o status quo é enorme. Acho
que essa será a próxima grande
batalha de Obama. E é absolutamente verdade que, seja no
caso da reforma da saúde, dos
transgênicos, da vacinação ou
da mudança climática, é muito
difícil comunicar apenas fatos,
especialmente se há medo associado ao tema, ou um impacto econômico negativo.
FOLHA - O medo tem a ver principalmente com o custo? Ou é algo
mais profundo, mais ideológico, como o medo da intervenção do governo na vida privada?
FEDOROFF - Acho que é um pouco de todas essas coisas. E não
tenho dúvidas de que essas coisas têm de ser lideradas pelo
governo. E, se o governo perde
essa credibilidade, todos nós
vamos ter problemas. Contudo,
acho bem possível que boa parte das mudanças virão das pessoas, pouco a pouco. Se você
conseguir economizar um pouco de dinheiro ao redesenhar a
sua casa, é mais provável que
abrace a mudança.
Tudo isso também pode ser
um incentivo à inovação, o que
nos coloca num momento muito interessante, porque o que
está em jogo é tão crucial, dados
os riscos do crescimento populacional e do aquecimento.
FOLHA - Claro que há oportunidades, mas não existe um risco de confiar demais em soluções tecnológicas que podem acabar não vindo
quando se precisa delas?
FEDOROFF - Eu não vejo um conflito entre soluções tecnológicas e soluções não-tecnológicas, porque sou uma bióloga de
plantas. E acho que podemos
modificar a maneira como nós
praticamos a agricultura, e o
modo como usamos as plantas
como ralos [de carbono]. Não
como biocombustíveis -porque, quando você está usando
biocombustíveis, está basicamente tentando ficar no mesmo lugar, ficar quase no zero a
zero. Mas, para usar plantas como ralos de carbono, você tem
de reflorestar, "florestar" e cobrir partes da Terra que hoje
não estão cobertas por vegetação de uma maneira ambiciosa.
É uma solução semitecnológica, mas não tecnológica no
sentido daqueles grandes esquemas de geoengenharia, como a ideia de colocar enormes
espelhos em órbita da Terra para refletir a luz do Sol. Não há
nada assustador em relação à
agricultura no deserto -há países que fazem isso. Mas tornar
isso algo bem mais amplo é algo
no qual ainda não pensamos.
Ainda estamos pensando apenas em ampliar as margens da
produtividade atual com melhoramento de plantas. E há
muito mais que podemos fazer
para usar melhor a terra que temos à nossa disposição.
FOLHA - Como é que se lida com o
conflito em torno da transferência
tecnológica para adaptação e mitigação de mudanças climáticas dos
países ricos para os países pobres?
FEDOROFF - Acho que é exatamente nesse ponto que a diplomacia científica pode ajudar.
Porque, se você desenvolver essas coisas colaborativamente, e
comercializá-las colaborativamente, então temos uma situação boa para os dois lados.
A exigência de que a tecnologia seja simplesmente doada
fere tanto quem a dá quanto
quem a recebe. Por isso queremos tanto enfocar a colaboração. E não precisa ser uma colaboração igual de cada parte.
FOLHA - A sra. mencionou repetidamente o problema do crescimento populacional. Esse é o tema mais
importante da diplomacia científica
hoje, na sua opinião?
FEDOROFF - Sim. É claro que nós
podemos espremer mais e mais
gente na superfície da Terra,
mas nós também valorizamos o
pouco que nos restou de vida
selvagem. E, no fundo, o conflito é simples: a escolha entre as
necessidades vitais das pessoas
e os recursos disponíveis.
No caso das indústrias extrativistas, por exemplo -o petróleo vai acabar, embora há 50
anos as pessoas não acreditassem nisso. Sabemos que minerar ouro vai poluir as águas. E
uma das maneiras de realmente intervir nessa pressão é diminuir a velocidade do crescimento populacional. A área
usada para produzir alimentos
estacionou, a produtividade
cresceu, cresceu e estacionou, o
investimento em pesquisas
nessa área diminuiu muito. E
há um curinga que pode modificar totalmente a equação:
quanto mais a renda das pessoas melhora, mais carne elas
querem comer, o que exige
muito mais terra do que o necessário para plantar cereais.
FOLHA - Com o avanço da biotecnologia empresarial, como se evita o
perigo de transformar a ciência num
garoto de recados do mercado?
FEDOROFF - Não vejo isso como
um grande perigo, porque a
maioria dos cientistas abraça
essa carreira porque simplesmente quer entender as coisas.
Algumas pessoas querem ser
empreendedores, e você não
deve podar esse desejo. Contudo, mesmo no caso de produtos
que chegam ao mercado, o que
você vê inicialmente é a mera
curiosidade. É o caso do laser,
que não tinha nada a ver com
aplicações tecnológicas no começo, e hoje está em toda parte.
"Hoje há 125 milhões
de hectares no mundo
plantados com OGMs,
por 13,5 milhões de
agricultores. Ninguém
morreu -e as pessoas
morrem de
envenenamento por
pesticidas o tempo
todo. Não existe
nenhum risco real. Os
riscos, depois de 13
anos de plantio
comercial, continuam
sendo hipotéticos. E,
contudo, há muita
convicção pública de
que há algo errado"
NINA FEDOROFF
assessora científica do Departamento
de Estado dos EUA, sobre transgênicos
"Seja no caso da
reforma da saúde,
dos transgênicos, da
vacinação ou da
mudança climática, é
muito difícil
comunicar apenas
fatos, especialmente
se há medo associado"
NINA FEDOROFF
sobre o debate sobre o clima nos EUA
"A exigência de que a
tecnologia seja
simplesmente doada
fere tanto quem a dá
quanto quem a
recebe"
IDEM
sobre transferência de tecnologia de
energia limpa para países pobres
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