São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2004

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CLIMA

Estudo sugere que ações humanas, como emissão de gases-estufa, dobram possibilidade de evento climático extremo

Homem é responsável por onda de calor

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma pesquisa publicada hoje na revista britânica "Nature" (www.nature.com) sustenta o que muita gente já desconfiava: ações humanas, como a emissão de gases-estufa, pelo menos duplicam as chances de surgimento de ondas de calor como a que matou milhares na Europa em 2003.
A relação entre atividades humanas e mudanças climáticas catastróficas povoava a mente dos climatologistas antes mesmo do episódio europeu (que teria levado 14 mil pessoas à morte só na França). Provar era outra história.
Peter Stott, da Universidade de Reading, e Daithi Stone e Myles Allen, da Universidade de Oxford, todos no Reino Unido, descobriram uma forma de juntar os dois fatores com 90% de confiabilidade. Eles rodaram em computador um modelo climático que simula quais seriam as temperaturas no verão europeu com e sem atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, com base em registros desde 1851.
"A onda de calor poderia ter uma origem natural. Porém, o que vimos é que as chances de ela aparecer dobram quando inserimos a ação do homem no contexto", disse Stott à Folha.
A análise também sugere que, nos anos 2040, pelo menos metade dos verões será mais quente do que o registrado no ano passado -e que, lá no final do século, a estação quente de 2003 será considerada até amena.
Em agosto, outro estudo, publicado na revista "Science" (www.sciencemag.org), mostrou que as ondas de calor vão se tornar mais freqüentes, longas e quentes até 2080. Usando um modelo climático diferente, pesquisadores do NCAR (Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica), dos Estados Unidos, mostraram que o evento terá 14 dias em média (hoje, dura 6 dias em média) e que ocorrerá duas vezes ao ano a partir de 2080.
"O impacto", diz Stott, "será sentido em mortes extras, incêndios florestais e grande abalo em plantações." Só em 2003, a agricultura européia sofreu um prejuízo de US$ 12,3 bilhões por causa das temperaturas altas.
Ondas de calor são causadas quando há um "bloqueio" na atmosfera que impede a chegada da umidade a determinado local. Um dos bloqueios pode ser uma elevação da pressão, com origem natural ou causada por gases-estufa. Os dias são claros e quentes e as noites são menos frescas, mantendo a temperatura elevada.
Dois artigos acompanham o estudo de Stott na "Nature". No primeiro, os climatologistas Christoph Schär, da Suíça, e Gerd Jendritzky, da Alemanha, pedem que mais pesquisas do gênero sejam feitas para corroborar a tese.
Contudo, eles admitem que os novos dados são um "grande passo" na direção de traçar quais são as chances de eventos meteorológicos tomarem dimensões catastróficas por causa do homem.
No segundo artigo, o mesmo Myles que assina a pesquisa com Stott questiona, ao lado do advogado Richard Lord, as implicações legais dos resultados. Estabelecer um vínculo de causa e efeito pode abrir espaço para governos e organizações serem responsabilizados pelo aquecimento global.
"Seja qual for a temperatura na Europa no próximo verão, podemos ter certeza de que o argumento sobre quem paga pelo custo da mudança climática chegou para ficar", dizem Myles e Lord.
Doug Parr, da ONG ambientalista Greenpeace, afirma que o estudo pode ser o início de ações legais contra o que chama de "vilões do clima": "Assim como a indústria do cigarro, os grandes poluidores poderiam encarar grandes processos. Os poluidores deveriam saber que, se ignoram argumentos morais, a responsabilidade legal pode atingi-los".
(CRISTINA AMORIM)


Com "The Independent"


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