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Buraco de ozônio retém frio na Antártida
Descoberta explica por que continente austral sofre menos os efeitos do aquecimento anormal da Terra do que o Ártico
Recomposição do ozônio
deve desmascarar elevação
na temperatura e fazer com
que degelo antártico eleve
nível do mar em até 1,4 m
Eduardo Knapp - 25.nov.2009/Folha Imagem
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Pinguins-de-adélia escorregam na neve perto da Estação Antártica Comandante Ferraz, base brasileira no continente gelado
EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL À ANTÁRTIDA
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
O temido buraco de ozônio
na atmosfera acima da Antártida funciona, paradoxalmente,
como um escudo do continente
gelado contra o aquecimento
que assola o planeta. É só por
isso que as terras antárticas
ainda não esquentaram tanto
quanto o resto do globo, mostra
um relatório divulgado ontem.
A descoberta ajuda a entender porque, às portas do verão
na Antártida, os mais de 50
ocupantes atuais da Estação
Antártica Comandante Ferraz,
base brasileira no continente,
passaram 48 horas confinados
entre a manhã de domingo e
ontem. A equipe teve de se abrigar de ventos com mais de 100
km/h e sensação térmica de
20C negativos.
Há, portanto, um dilema:
conforme o rombo na camada
de ozônio for se fechando, o que
deve acontecer completamente
até o fim deste século, é provável que o aumento das temperaturas finalmente atinja o coração da Antártida, dizem os
cientistas do Scar (Comitê
Científico de Pesquisa Antártica), responsáveis pelo novo relatório (www.scar.org).
"Nos próximos anos, o gelo
marinho vai diminuir. Ele está
aumentando no momento, mas
não será mais assim quando o
buraco de ozônio fechar -de
fato, vamos perder um terço do
gelo marinho", declarou o diretor-executivo do Scar, Colin
Summerhayes, à agência internacional de notícias Reuters.
O relatório divulgado ontem,
que reuniu dados gerados por
mais de cem cientistas de oito
países, chama a descoberta
dessa blindagem do buraco de
ozônio de "extraordinária".
Para Jefferson Simões, glaciologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o
trabalho consolida os dados sobre as alterações que o aquecimento já traz para a Antártida.
"Faz todo o sentido afirmar
que o buraco de ozônio está
mesmo protegendo o continente antártico", diz Luciano
Marani, pesquisador do Inpe
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) responsável pelas medições da camada de
ozônio na estação brasileira.
Ultravioleta
O mecanismo é simples, explica Simões. As moléculas de
ozônio absorvem a radiação ultravioleta do Sol, ajudando a esquentar a estratosfera, fatia da
alta atmosfera onde se encontram. Com menos ozônio estratosférico à disposição, esse pedaço da atmosfera esfria. E isso,
por sua vez, fortalece o vórtice
polar -um imenso redemoinho que domina a circulação de
ar sobre o continente austral e
mantém a Antártida normalmente fria (veja quadro acima).
"A força desse vórtice depende do gradiente [ou seja, da diferença] de temperatura entre
a região polar e o resto do planeta. Com o vórtice mais frio,
esse gradiente aumenta, fazendo com que ele gire com mais
força", diz Simões. Resultado:
os ventos violentos criam uma
espécie de muralha de ar entre
a Antártida e os demais continentes, o que explica a falta de
um aquecimento considerável
no continente austral.
O calcanhar-de-aquiles dessa
armadura de ventos, contudo, é
a península Antártica, o braço
do continente que avança para
o oceano e, portanto, está mais
sujeito a influências externas.
Na península, a precipitação
de verão está deixando de ser
neve para virar chuva. Noventa
por cento das geleiras peninsulares recuaram nas últimas décadas. As mudanças já estão
causando reviravoltas significativas na fauna e na flora da
área. Plantas terrestres, que antes não conseguiam deitar raízes na península, agora conseguem crescer nela. Populações
de pinguins-de-adélia estão em
declínio, à medida que o krill,
minúsculo crustáceo que é seu
principal alimento, torna-se
cada vez menos abundante.
Mar que sobe
Com o buraco de ozônio em
declínio, espera-se que as geleiras da Antártida continental
propriamente dita, em especial
do oeste do continente, passem
a perder gelo, com contribuição
significativa para um aumento
do nível do mar -cerca de 1,4
metro até 2100, diz o relatório.
No entanto, o aumento projetado de temperatura até o fim
do século -algo em torno de
3C- não deve ser suficiente
para derreter a maioria do gelo
continental antártico. E as bolhas de ar presas nas camadas
mais profundas e antigas das
geleiras mostram que a atual
concentração de gases-estufa
na atmosfera é a maior dos últimos 800 mil anos.
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