São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

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A culpa é nossa

MARCELO LEITE
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Agora tem força de lei: não importa o que façam homens e mulheres daqui para a frente, seu planeta ficará bem menos hospitaleiro. Tempestades e secas serão mais freqüentes. Furacões e tufões, mais intensos. O nível do mar subirá pelos próximos mil anos -mesmo que a espécie desapareça da face da Terra nesse meio tempo.
Esta é a mensagem da primeira parte do quarto relatório de avaliação da saúde da atmosfera produzido pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change, ou Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática). O órgão criado pela ONU congregou 600 especialistas de 40 países para redigir o sumário executivo divulgado ontem em Paris.
A temperatura da atmosfera subirá pelo menos mais 1,8C além do 0,76C já escalado desde tempos pré-industriais. O mais provável é que totalize 3C até o fim deste século, mas não está de todo descartado que galope para mais de 4C.
A imensa geleira sobre a Groenlândia pode desaparecer em alguns milênios, como há 125 mil anos, elevando os mares em 7 m. No século 20, o nível do mar subiu 17 cm, mais aceleradamente após 1993.
O IPCC prevê que subirá 18 cm a 59 cm daqui para a frente até 2100. Seria devastador para a população de milhares de cidades costeiras. Só uma elevação de meio metro, como a prognosticada pelo IPCC, comeria dezenas de metros de praias em Recife. Com 10 cm a mais, o metrô de Nova York alagaria em ressacas.
Onze dos últimos 12 anos foram os mais quentes jamais registrados desde 1850. Nada de semelhante aconteceu nos últimos 20 mil anos, ou talvez 650 mil anos, como revela a composição de bolhas de ar aprisionadas no gelo da Antártida.
A história que essas bolhas contam é a de uma concentração inédita de gases do efeito estufa na atmosfera, como dióxido de carbono (CO2) e metano, produzidos pela queima de petróleo e derivados, carvão, agricultura e destruição de florestas tropicais. As emissões humanas desses gases, no entanto, só fazem aumentar. Elas cresceram de 6,4 bilhões de toneladas anuais em 1990 para 7,2 bilhões nesta década.
Governos do mundo inteiro reagiram ao relatório. O presidente francês Jacques Chirac disse ontem que é hora de uma "revolução" nos padrões de produção e consumo de energia. A declaração contrasta com o anúncio, anteontem, de que a Exxon, maior petrolífera do mundo, teve no ano passado o maior lucro da história do capitalismo: US$ 39,5 bilhões.
No que depender de cifras como essa, o termômetro e os mares continuarão subindo.



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