São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2008

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Grupo flagra momento "eureca" agindo no cérebro

Em primatas, as interações do sistema de recompensa são mais fortes e rápidas

Achado equivale a descobrir a região cerebral que decide por parar de explorar a geladeira e começar a comer aquela coxa de frango

Mediscan/Corbis
Ilustração mostra neurônio enviando impulsos nervosos


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Rá!"
"Ahá!"
"Eureca!"
Em dado momento uma pessoa envolvida em algo tem um estalo, um lampejo, e pára de fuçar para fazer; pára de explorar para agir.
Foi esse momento fundamental para o cotidiano de seres tão diferentes quanto ratos, macacos ou humanos que foi agora flagrado em ação no cérebro por uma equipe de pesquisadores na França.
Todo animal gasta parte do seu tempo em buscar, pesquisar e explorar -especialmente se é o caso da vital procura de alimento. Mas chega a hora em que ele pára essa atividade exploratória, e começa a fruição, a "exploração prática" daquele achado que se busca.
O estudo foi realizado por Emmanuel Procyk e seus colegas René Quilodran e Marie Rothé, todos do instituto Inserm e da Universidade de Lyon, França, e está publicado na última edição da revista científica "Neuron".

Assalto à geladeira
A publicação comentou que o estudo equivale a descobrir a região do cérebro que controla a decisão de parar de "explorar a geladeira de madrugada" -e começar a comer aquela coxa de frango que sobrou do jantar.
Seja a coxa, seja uma asa ou seja um pedaço de peito, trata-se de como o cérebro decide sobre o "valor" de determinadas ações e de objetos relacionados. E é tudo culpa da marcha da evolução biológica.
"O conjunto de estruturas neurais que evoluíram para se aprender sobre os valores de ações e objetos é certamente bem antigo. Roedores, carnívoros, e, é claro, primatas, têm em comum esse sistema, chamado sistema de recompensa, que permite a associação de locais no ambiente e ações específicas com recompensas potenciais", declarou Procyk à Folha.
"Mas parece que nos primatas essa função neural está interagindo fortemente com um sistema cognitivo mais desenvolvido, que inclui a parte lateral do lobo frontal [do cérebro], e que permite uma regulação muito rápida da atividade comportamental e também uma adaptação e avaliação muito rápidas", declara Procyk.
"Além disso, uma extensão desse sistema de atribuição de valores parece estar envolvida em interações sociais e na organização de comportamentos sociais que são extremamente complexos em primatas", acrescenta o pesquisador.

Primos próximos
Os experimentos neurocientíficos desenvolvidos na França, que permitiram uma melhor compreensão do sistema, foram feitos justamente com primatas -não com seres humanos, mas sim com primos próximos, macacos.
Os animais tinham que tocar alvos em uma tela de computador para ver se obtinham algum tipo de recompensa que valesse ter feito a ação. Eles tinham que, portanto, ficar "explorando" a tela até chegar a um alvo que selecionasse uma recompensa (no caso, suco de fruta).
E depois disso, os macacos podiam ficar um tempo tocando o alvo na tela para conseguir ainda mais suco.
Em todo o experimento os cientistas registravam a atividade cerebral dos macacos, mais especificamente a atividade elétrica dos neurônios na região do cérebro que se sabe estar ligada a comportamentos adaptativos -como a passagem da exploração "exploratória" para a "exploração" de fato-, o córtex cingulado anterior (também conhecido pela sigla em inglês, ACC).
O cérebro e a região ACC estavam sendo observados durante momentos em que o animal fazia escolhas erradas, ou quando acertava o alvo da recompensa pela primeira vez, e o que fazia depois.
Os pesquisadores concluíram que o ACC era capaz de discriminar a informação recebida e com isso permitir ações adequadas do cérebro.
Problemas nesse mecanismo são portanto graves, dizem os pesquisadores. Estariam por trás de problemas observados tanto em doenças mentais quanto no vício de drogas.


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