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+ Marcelo Gleiser
A infernal estrela-d'alva
Estudar o horrendo efeito estufa em Vênus poderá ser útil
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Nada mais poético do que a visão da estrela-d'alva, brilhando ao pôr-do-sol feito um diamante nos céus. Quantos poemas e canções já não foram inspirados por
esse emblema de beleza e pureza? É
irônico que a nossa deusa da beleza, a
Vênus celeste, seja, na realidade, um
planeta verdadeiramente infernal.
O segundo planeta a partir do Sol -
também o mais próximo da Terra-
tem uma atmosfera composta principalmente de gás carbônico (96,5%) e
nitrogênio, com praticamente nada de
oxigênio. Nuvens de ácido sulfúrico
flutuam a grandes altitudes. O planeta
já foi comparado a uma panela de
pressão: a temperatura na superfície
é, em média, de 500 C; a atmosfera é
tão densa que é impossível visualizar
sua superfície de longe, como fazemos
com a Lua ou Mercúrio. O único jeito
é ir até lá, o que não é fácil.
Um dos mistérios com relação a Vênus é a ausência de água. Claro, com
temperaturas de 500 C qualquer
água na superfície teria evaporado.
Mas deveria ser encontrada ainda na
atmosfera, em forma de vapor. Talvez,
no passado, Vênus tenha sido um planeta diferente. Afinal, possui várias
características muito semelhantes à
Terra: o tamanho e a massa, por
exemplo, indicando que sua composição rochosa não é muito diferente.
Carl Sagan, há muitos anos, propôs
que Vênus foi vítima de um efeito estufa acelerado. Não que os incas venusianos (quem via "National Kid"
quando era criança nos anos 60 e 70,
coisa saudosa da minha geração, sabe
do que estou falando) tenham poluído
o planeta. O acúmulo de gás carbônico
é que teria criado um cobertor permanente sobre o planeta, que a radiação
solar e as erupções vulcânicas (Vênus
talvez ainda tenha vulcões ativos) torraram ainda mais quente a atmosfera.
Os russos foram os pioneiros da exploração de Vênus. Em meados dos
anos 70, duas sondas, Venera 9 e Venera 10, conseguiram enviar fotos durante uma hora, antes de seus circuitos virarem sopa metálica. Não encontraram os incas, mas encontraram rochas com pouco sinal de erosão.
Vênus é um planeta estranho: enquanto Mercúrio, Terra e Marte giram em torno de seus eixos no mesmo
sentido do seu movimento em torno
do Sol, Vênus gira ao contrário. Na
verdade, quase não gira: seu "dia" é de
177 dias terrestres, mais da metade de
seu ano, de 244 dias. A razão para essa
anomalia não é conhecida; mas a conjectura é que Vênus tenha sofrido
uma gigantesca colisão na infância,
que alterou completamente sua rotação. Algo semelhante ao que ocorreu
com a Terra e deu nascimento à Lua.
Recentemente, outra missão, desta
vez da ESA (Agência Espacial Européia), aventurou-se sob as espessas
nuvens de ácido de Vênus. Seu objetivo era resolver o mistério da água venusiana: se o planeta é tão parecido com a Terra, onde foi parar sua água?
A sonda encontrou evidência de que
o planeta teve mais água no passado, o
suficiente para cobrir sua superfície
inteira com uma profundidade de 4,5
metros. (A Terra, como comparação,
seria coberta por 2,8 km de água). Se
essa água evaporou rapidamente, ela
pode ter contribuído para o horrendo
efeito estufa que domina Vênus.
Estudar o que ocorreu lá nos ajuda a
evitar que algo semelhante ocorra
aqui. O aquecimento de um planeta
depende de vários fatores: a temperatura na superfície e suas variações, a
composição de sua atmosfera, a emissão de gases e vapores de seu interior.
No mínimo, Vênus demonstra que o
inferno existe, não no centro da Terra,
mas nos céus.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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