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ARTIGO
Conseguiremos recuperar o tempo perdido?
MAYANA ZATZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Desde o início de 2004, as notícias sobre células-tronco têm sido
animadoras: pacientes são tratados, pesquisadores coreanos têm
sucesso na clonagem terapêutica,
células-tronco embrionárias formam neurônios. Enquanto a
ciência avança a passos gigantescos no exterior, o Brasil luta para
conseguir iniciar pesquisas com
células-tronco embrionárias.
Conseguiremos recuperar o tempo perdido? Quais são as perspectivas? Quais são as dúvidas? O que
precisa ser desmistificado? Por
que as células-tronco embrionárias são tão importantes?
Somente as células-tronco embrionárias são pluripotentes, isto
é, têm a capacidade de produzir
todos os 216 tecidos do nosso corpo. O escocês Ian Wilmut, criador
da ovelha Dolly, usando a técnica
de clonagem terapêutica, vai gerar linhagens de células-tronco
embrionárias obtidas de pacientes com doenças neuromusculares letais. Elas serão direcionadas
para produzir neurônios, o que
permitirá entender por que essas
células morrem nos pacientes.
Além disso, ele poderá estudar o
efeito de diferentes drogas em culturas de neurônios ao invés de
usar cobaias humanas. E, mais do
que tudo, essas pesquisas poderão nos ensinar como programar
as células-tronco embrionárias ou
talvez reprogramar células-tronco adultas para produzir células
nervosas -ou qualquer outra-
antes de injetá-las nos pacientes.
A esperança é que inúmeras
condições, muitas delas letais na
infância ou no início da idade
adulta, tais como algumas doenças neuromusculares, diabetes,
mal de Parkinson, lesões de medula possam ser tratadas pela
substituição ou correção de células ou tecidos defeituosos.
A terapia celular com células-tronco representa um avanço gigantesco nas técnicas hoje existentes de transplante de órgãos.
Se as pesquisas derem os resultados esperados, a expectativa é que
no futuro seja possível fabricar tecidos e órgãos em quantidade suficiente para todos. Mas, para chegar lá, ainda temos inúmeros obstáculos a vencer.
Células adultas
Pesquisas com células-tronco
adultas já foram iniciadas em pacientes cardíacos ou em outras
doenças como esclerose múltipla,
acidente vascular ou diabetes.
Quais são as perspectivas e limitações? Temos células-tronco adultas em vários tecidos: sangue, medula óssea, fígado e cordão umbilical. O transplante de células-tronco retiradas da medula óssea
e mais recentemente do cordão
umbilical e da placenta de doadores compatíveis para tratar leucemia é um exemplo de terapia celular de grande sucesso.
Entretanto, o tratamento de lesões cardíacas ou a recuperação
do tecido nervoso em pessoas que
sofreram acidentes vasculares
com células-tronco obtidas da
própria pessoa, que corresponde
a um auto-transplante, ainda são
experimentais. As questões a serem respondidas são: a quantidade de células-tronco retiradas da
medula óssea de um indivíduo
adulto é suficiente? Que tecidos
essas células são realmente capazes de produzir: células cardíacas,
células nervosas ou somente novos vasos sanguíneos? Qual é a
idade das células-tronco de um
indivíduo mais idoso? Será que já
não são células velhas, com pouca
capacidade de regeneração?
A má notícia é que essa técnica
de auto-transplante não serve para portadores de doenças genéticas (3% da população, mais de 5
milhões de brasileiros), pois o defeito está presente em todas as
suas células. Para essas pessoas
será necessário o uso de células-tronco de outras fontes.
Utilizar células-tronco de embriões congelados equivale a um
aborto, afirmam alguns grupos
religiosos. Definitivamente não!
No aborto provocado, interrompe-se a vida de um feto que está
dentro do útero da mãe. Já no caso de embriões congelados em
um tubo de ensaio nas clínicas de
fertilização, não há chance de vida
se não houver introdução do embrião dentro do útero. Na prática,
esses embriões ficam congelados
por anos, tornam-se inviáveis e
são descartados.
Do ponto de vista científico, a
grande vantagem das células-tronco retiradas de um embrião
congelado é que, até a fase de cento e poucas células, elas são pluripotentes. Já o feto quando abortado, geralmente com algumas semanas, já sofreu um processo de
diferenciação: suas células não
são mais pluripotentes. Portanto
mesmo para os cientistas que não
são contra o aborto, essas células
não têm o mesmo potencial das
células embrionárias.
Sistema nervoso
Não há consenso de quando a
vida se inicia: para alguns no momento da fecundação, para outros no momento da implantação
do embrião no útero ou quando o
feto pode ter uma vida independente fora do útero materno. Mas
existe um consenso que a vida termina quando cessa a atividade cerebral. Por isso, países que permitem as pesquisas com células-tronco embrionárias estabeleceram um limite de até 14 dias, pois
até essa fase não existe vestígio de
sistema nervoso no embrião.
A expectativa de um tratamento
para inúmeros pacientes condenados deve estar acima de dogmas religiosos.
Mayana Zatz é professora titular de Genética Humana e Médica Coordenadora
do Centro de estudos do Genoma Humano Presidente da Associação Brasileira
de distrofia muscular, departamento de
Biologia, Universidade de São Paulo
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