São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2008

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Ação no STF trava estudos com embrião

Indefinição legal faz projetos de pesquisa pararem em comitês de ética e põe doutorados em risco, reclamam cientistas

Pesquisadores da UFRJ limitam número de alunos que trabalham com células humanas e usam células de camundongo em seu lugar

Julia Moraes/Folha Imagem
Karla Pelegrino, da USP, mostra bujão contendo células-tronco


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O clima de incerteza criado pela ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei de Biossegurança, que será julgada nesta quarta-feira pelo STF (Supremo Tribunal Federal), tem forçado o Brasil a desacelerar pesquisas na área.
Células-tronco retiradas de embriões destruídos são cruciais para estudos que buscam a cura para males que vão de diabetes a lesões neurológicas. Seu potencial terapêutico vem do fato de elas serem células "genéricas", capazes de compor qualquer tecido humano.
Mesmo com permissão para usar células embrionárias desde 2005, quando foi aprovada a lei, cientistas enfrentam barreiras para fazer esse campo de pesquisa decolar no Brasil.
"Embora a lei esteja vigente, os comitês de ética [das entidades de pesquisa] estão sendo muito restritivos em aprovar os projetos", diz Mayana Zatz, geneticista da USP.
Zatz planejava trabalhar num projeto em parceira com a embriologista Nilka Donadio, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, mas deu com a cara na porta. "A gente queria derivar células-tronco de células únicas de embrião e o projeto não foi aprovado."
Donadio também lamenta o atraso. "Há um receio por parte dos comitês de ética que eu posso entender. Como aprovar um projeto que dentro de alguns meses pode não ser mais válido? Eles preferem esperar uma decisão final sobre a ação contra a Lei de Biossegurança."
O Comitê Nacional de Ética em Pesquisa jamais aprovou um projeto para o uso de células-tronco embrionárias humanas. Mas diz que não tem nenhum na fila para ser apreciado. A mesma situação existe na Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.
A Unifesp não informou o número de projetos envolvendo células-tronco embrionárias humanas já submetidos ao seu comitê de ética. A maior parte do lobby favorável à ação de inconstitucionalidade, arquitetada pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, tem ligação com a Igreja Católica.
A igreja equipara a destruição de embriões para obter células-tronco ao aborto. Após anos enfrentando religiosos em debates sobre a Lei de Biossegurança, porém, os próprios cientistas começaram a pisar no freio, temendo dar um salto grande e não ter onde pousar.
"Tenho um projeto aprovado para trabalhar com células humanas no meu laboratório, mas quando foi colocada a ação, nós demos uma "meia-trava", porque existe o risco de de repente estarmos proibidos de seguir", diz Antônio Carlos de Carvalho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A opção foi desenvolver projetos com células de camundongo. Mas isso não é o ideal, diz Carvalho, pois células embrionárias humanas têm características diferentes.

Mão-de-obra escassa
Além de repelirem verbas para projetos (leia texto abaixo, à direita), as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas sofrem com a falta de mão-de-obra, pois professores têm receio de comprometer a carreira de alunos de pós-graduação com uma linha de pesquisa que corre o risco de ser banida do dia para a noite.
"Eu poderia ter dez alunos trabalhando com essa células aqui, mas tenho dois", diz Stevens Rehen, que tenta produzir neurônios a partir de células-tronco humanas em outro laboratório da UFRJ. "Os outros oito estão trabalhando com células de camundongo."
Rehen diz que pretende inverter a estratégia caso a lei sobreviva. Enquanto isso, a mais angustiada entre seus orientandos é Aline Marie Fernandes, que já dedicou quase três dos seus quatro anos de doutorado a uma aposta de risco. "Logo que a lei foi aprovada, a gente começou a trabalhar com as células-tronco embrionárias humanas", conta a pesquisadora, que tenta sintetizar neurônios. "Fico bastante apreensiva, porque esse é um tipo de célula que requer muito trabalho.
As células estão bem agora, começando a gerar resultados, e podemos perder tudo isso."


Colaborou EDUARDO GERAQUE , da Reportagem Local


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