São Paulo, domingo, 03 de abril de 2011 |
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MINHA HISTÓRIA PAULO EDUARDO BARNI, 45 O alfabeto da floresta Entrei na universidade com 36 anos , idade de muitos dos meus professores Hoje, no doutorado, estudo a ameaça representada pelo fogo à floresta
SABINE RIGHETTI DE SÃO PAULO Comecei a me interessar pela Amazônia desde que minha família se mudou de Santa Catarina para a região Norte, numa viagem de dias de asfalto e terra batida. Eu tinha 11 anos. Meu pai queria tentar uma vida nova. Nessa época, o governo militar estava distribuindo terras na região amazônica. Nós acabamos entrando nessa. Em Rondônia, parei de estudar e só retomei a escola no Mato Grosso, para onde minha família se mudou quando eu já era adolescente. Fizemos de Cuiabá a nossa base e saímos por toda a região amazônica vendendo tapetes do Sul, uma novidade. Todo mundo queria! SEM GUME Em uma dessas viagens, nosso ônibus parou à noite na margem do rio Madeira esperando o dia amanhecer para fazer a travessia. Eu estava sentado ao lado de uma senhora grávida de oito meses. Quando já estava amanhecendo, ela começou a sentir as dores do parto. Ninguém quis ajudá-la, talvez por medo. Então, acabei fazendo o parto. Usei um canivete "cego" e um frasco de desodorante para tentar desinfetar a lâmina. Não estava conseguindo cortar o cordão umbilical, quando a própria mãe me pediu o canivete e fez o corte. Atravessamos a balsa e seguimos até a próxima cidade, já em terras acreanas, onde mãe e bebê desembarcaram. Nessa vida de vendedor ambulante, acabei me casando e me mudei para Manaus. Foi lá que concluí o ensino médio pela EJA [Educação de Jovens e Adultos]. Isso foi depois que meu irmão gêmeo morreu, aos 18 anos. Senti que deveria viver a minha vida e também a vida que ele não viveu. Passei a ter energia para fazer tudo. Com dez anos de casado, separei. Decidi, então, fazer vestibular. Queria trabalhar com algo ligado à floresta. Entrei na Ufam [Universidade Federal do Amazonas] aos 36 anos. Eu tinha a idade de boa parte dos meus professores do curso. Para estudar, distanciei-me das minhas filhas Ana Cláudia e Amanda, e passava os finais de semana vendendo tapetes pra conseguir me manter. Dei um jeito até para participar de um congresso de engenharia florestal em Viçosa (MG), em 2003. Consegui comprar a passagem aérea de ida com a doação de mil reais de um político para o centro acadêmico. Na volta, peguei carona com estudantes até Mineiros (GO) e, de lá, com caminhoneiros para Cuiabá, Porto Velho, até chegar a Manaus. Foi nesse congresso que decidi que seria cientistas e que estudaria para o resto da vida. Trabalhei com sensoriamento remoto da floresta. Depois, já fazendo mestrado, fui estudar no Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], com bolsa da Fapeam [Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas]. Fui orientado por um dos maiores amazonólogos do mundo, o professor Philip Fearnside. Nascido nos EUA e morando há décadas no Brasil, ele é um dos membros do IPCC [painel da ONU sobre o clima] e ganhador do Nobel da Paz em 2008. Trabalhar com ele foi muito desafiador. Fearnside é competente e entende muito de Amazônia e seus processos. Mas os americanos são um pouco "frios" e esperam muito por resultados. Modelei o desmatamento no sul de Roraima de 2008 a 2030, fazendo simulações da progressão do desmatamento com imagens de satélite. Hoje, no doutorado, que faço no Programa Climab [uma parceria entre o Inpa e a Universidade Estadual do Amazonas], eu estudo especificamente a ameaça do fogo à floresta amazônica. Quando o desmatamento for controlado na Amazônia, o fogo será o principal inimigo da manutenção dos estoques de carbono e de outros mecanismos, como o ciclo de nutrientes do solo e da água. Acredito que é possível que o país se organize para produzir mais e melhor sem entrar em nenhum hectare a mais de floresta na Amazônia e no cerrado. Próximo Texto: Resumo Índice | Comunicar Erros |
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