São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

Próximo Texto | Índice

ECOLOGIA

Estudo de dupla dos EUA e do México diz que, em cada 50 populações desses animais no mundo, uma está extinta

Extinção é implacável com os mamíferos

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se você for um mamífero (contanto que não seja um esperto, poderoso e armado ser humano) e estiver em uma região aleatória do globo, a probabilidade de você e todos os seus companheiros de espécie naquela região estarem mortos é de 1 em 50. Se estiver na Austrália, ela é de 1 em 10.
Essa perspectiva bastante incômoda à sobrevivência de animais é o quadro que Paul Ehrlich, da Universidade Stanford (EUA), e Gerardo Ceballos, da Universidade Nacional Autônoma do México, estão pintando, em um estudo publicado hoje na revista "Science" (www.sciencemag.org).
A conclusão da pesquisa é que o problema das extinções de seres vivos no planeta é maior do que imaginavam os já alarmados ambientalistas. Isso porque, até agora, os cientistas consideravam o "xis da questão" a extinção global de espécies -ou seja, o sumiço de todos os bichos ou plantas de um dado tipo da face da Terra.
O buraco é mais embaixo, segundo Ehrlich e Ceballos. Eles sugerem que o problema da extinção não se faz sentir com o sepultamento do último panda, mas sim com o sumiço de espécies em regiões específicas, independentemente de sua extinção global. Para causar um desequilíbrio em uma única floresta, não é preciso matar todas as onças do mundo -só as daquela região. A morte da última onça ou do último panda é só a consequência final de um longo processo destrutivo.
Por essa razão, os cientistas não se concentraram, nesse estudo, em espécies extintas, mas em populações -grupos de uma espécie que vivem na mesma área.
Eles enfocaram 173 mamíferos que já apresentavam um histórico de declínio (sua presença nos ecossistemas estava diminuindo) distribuídos pelos cinco continentes. Comparando dados registrados no século 19 com novos "censos" dos animais, eles constataram que essas espécies perderam metade do espaço que ocupavam antes. Tirando uma média mundial, 2% das populações compostas por esses animais desapareceram. O número é maior que a estimativa atual de espécies extintas, que fica em 1,8%.

Extrapolações
Embora os dados do estudo digam respeito a apenas 173 espécies de mamíferos, os pesquisadores acreditam que o resultado serve não só como um "termômetro" para inferir a situação dos demais mamíferos, mas também para avaliar todos os seres vivos.
"Há uma variação enorme dentro dos mamíferos em tamanhos de população e taxas de especiação, assim como há em todos os grupos vivos", diz Ehrlich. "Estamos presumindo que mamíferos sirvam como uma amostra razoável, mas só mais pesquisas poderão responder se é o caso."
Apesar de terem seu próprio kit de pressupostos para chegar às conclusões, o estudo e a abordagem de Ehrlich têm como meta reduzir as incertezas que cercam a questão de quão maciças são as extinções de espécies atualmente.
As estimativas atuais de sumiço de bichos são feitas, principalmente, a partir da quantidade de território que ocupam. "O problema é que estamos restritos a extrapolações baseadas em destruição de habitats. Nós só observamos extinção de espécies em umas poucas plantas e animais", afirma. "Estudos de redução de populações vão ajudar a esclarecer o que está de fato ocorrendo."

Obra do bicho homem
A pesquisa mostra uma correlação entre os locais em que há maior extinção de populações e a presença de humanos ou de suas atividades, como caça e práticas agropecuárias e extrativistas.
Ehrlich considera esse trabalho um aviso. "Ao destruir populações e espécies a humanidade está mordendo a mão que a alimenta", afirma. "A sociedade não dá suficiente atenção às extinções de espécies e nenhuma para extinções de populações. Ignoramos ambas por nossa conta e risco."
Vale lembrar que não é o primeiro "aviso" do pesquisador. Em 1968, ele escreveu "A Bomba Populacional", livro de que defendia que o crescimento absurdo das populações humanas tornaria seu próprio sustento inviável. Nos anos 80, Ehrlich afirmava que em breve os recursos minerais da Terra estariam esgotados.
Nenhuma das previsões até agora se realizou, mas isso não invalida os resultados significativos e relevantes de suas pesquisas. Só mostra que ele sempre foi melhor cientista que futurólogo.



Próximo Texto: Panorâmica - Botânica: Flor mais fétida do mundo se abre em Londres
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.