São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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RIO +10

Nem a proposta européia com meta de 15% de geração por fontes renováveis consegue dobrar EUA e árabes

Fracassa a iniciativa brasileira de energia

Juda Ngwenya/Reuters
Premiê britânico, Tony Blair (esq.), e presidente francês, Jacques Chirac, em coletiva na Rio +10


CLAUDIO ANGELO
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADOS A JOHANNESBURGO

A briga foi boa, mas o impasse foi maior. Após duas madrugadas e um dia inteiro de negociações, a proposta brasileira de aumentar para 10% o total de fontes renováveis na matriz energética dos países até 2010 foi derrotada na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10). Para ambientalistas, isso aponta o fracasso da cúpula.
O texto acordado no início da noite não estabelece metas para renováveis, algo que os países árabes (exportadores de petróleo) e os EUA (maior consumidor de combustíveis fósseis) não admitiam. Também foi derrotada a proposta da União Européia de 15% de renováveis -incluindo grandes usinas hidrelétricas (tais usinas são consideradas problemáticas porque não só inundam grandes áreas, muitas vezes de florestas, e desalojam populações, mas também porque a decomposição da vegetação inundada emite gases do efeito estufa).
Um compromisso entre as iniciativas brasileira e européia era a última esperança para impor alvos ao plano de ação de Johannesburgo, desde que a proposta brasileira fora descartada pelo G-77, o bloco dos países pobres (ao qual pertencem o Brasil e também todos os países árabes).
Para amenizar o fracasso, o texto aprovado pelos ministros do Ambiente da Rio +10 pede, com urgência, "substancial aumento na porção global de energias renováveis", reconhecendo "o papel de metas regionais e nacionais voluntárias onde existirem".
Em outras palavras, se Brasil e União Européia quiserem adotar metas, parabéns para eles. O cumprimento dessas metas, inclusive, poderá ser fiscalizado pela Comissão Mundial para o Desenvolvimento Sustentável. Se não quiserem, não haverá punição.
"Você não imagina como foi difícil conseguir isso", disse José Goldemberg, secretário de Estado do Meio Ambiente de São Paulo e artífice da iniciativa brasileira.
Segundo Goldemberg, Kuait, Omã e Arábia Saudita vetaram a posição dominante no G-77, que era favorável à meta de 10%. "É claro que os americanos ajudaram à beça", comentou. Mesmo assim, o simples reconhecimento de que a energia renovável precisa de alvos teria sido uma vitória. "Isso vai influir no comportamento daqui para a frente."

Energia nuclear ficou fora
Outra vitória foi a exclusão da energia nuclear na formulação do texto, que abria a possibilidade de que tecnologia nuclear fosse transferida a países subdesenvolvidos. Para Marcelo Furtado, do Greenpeace, não há nada a comemorar no texto final. "Isso aponta para o fracasso da conferência", afirmou. Ele diz concordar, no entanto, que o Brasil assumiu um papel de protagonista.
Diferentemente dos discursos progressistas e ecologicamente corretos dos chefes de Estado, o texto final que se desenha para o plano de ação da Rio +10 é muito mais fraco do que seria necessário para a implementação das recomendações da Agenda 21 para a sustentabilidade.
O ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, pinta um quadro menos dramático. "O risco de retrocesso não se confirmou", disse ontem. Tanto o princípio da precaução quanto o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, pilares da Eco-92, foram mantidos no texto final.
As metas de água e saneamento -reduzir pela metade até 2025 o número de pessoas sem acesso a água potável ou esgoto- também foram um avanço. E a Convenção sobre Diversidade Biológica começou a sair do papel, com a concordância dos países ricos em repartir benefícios auferidos.
O assessor especial da Presidência da República para a cúpula, Fábio Feldmann, vê a situação de outro jeito. "Eu acho que a marca desta conferência até agora não foi o sucesso", disse.
Segundo Feldmann, o que aconteceu na Rio +10 foi um caso de "bode na sala". Ou seja, criou-se uma série de obstáculos que não estavam no roteiro antes -como a tentativa de retroceder em pontos acordados na Eco-92- para dar a impressão de que houve algum avanço de fato. "Ela corre o risco de ser uma Rio -10, ou Rio -20", afirmou. "Se for um fracasso, tem de responsabilizar os protagonistas desse fracasso."


O jornalista Claudio Angelo viajou a Johannesburgo a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia



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