São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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RIO +10

Presidente critica "sovinice" de parceiros desenvolvidos e propõe "combate permanente" a subsídios agrícolas

FHC pede que G-8 apóie Protocolo de Kyoto

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A JOHANNESBURGO

O presidente Fernando Henrique Cardoso criticou ontem o protecionismo e exortou "todas as nações, especialmente as do G-8 [grupo dos sete países mais ricos e Rússia", a assinarem o Protocolo de Kyoto" (tratado para combater a mudança climática global), durante a sessão de abertura da reunião de chefes de Estado da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10), em Johannesburgo.
Na solenidade, FHC também enveredou pela crítica ao modelo econômico, pregando um "combate permanente" aos subsídios agrícolas e a todo tipo de barreira tarifária ou não-tarifária que prejudique as exportações dos países pobres. Mais tarde, em entrevista, criticou a "sovinice" dos ricos.
Em seu discurso na Rio +10, protecionismo, maior acesso aos mercados para os países pobres, um fluxo de capitais "com mais previsibilidade e estabilidade" e um comércio internacional "mais equitativo" são, somados, "imperativos fundamentais na luta pela erradicação da pobreza".
FHC também ratificou politicamente a proposta brasileira de uma meta de 10% de fontes de energia renovável até 2010, justificando que "é preciso deter o processo de aquecimento global". Disse ainda que, depois do apoio da América Latina e do Caribe, espera que a meta "se torne uma avenida para todas as nações".
Em pouco mais que os cinco minutos a que tinha direito, entre os 26 chefes de Estado inscritos para discursar, FHC também fez um resumo dos principais objetivos do Brasil na Rio +10, que se encerra amanhã, oficialmente, em Johannesburgo, África do Sul.
Defendeu princípios como o de "responsabilidade comum, mas diferenciada", que atribui maiores deveres aos países ricos, e de "repartição de benefícios", que permite aos países pobres dividir os lucros obtidos pelos ricos com espécimes de seus territórios. Ambos deverão constar do texto final sobre meios de implementação da Rio +10.
FHC também disse, no enorme plenário em que se realizou a cerimônia, com 103 chefes de Estado de todo o mundo, que o Brasil está propondo um Fundo para a Diversidade Biológica. A intenção é começar com recursos "modestos, quase simbólicos", mas "aberto a contribuições de outros países, organizações e empresas".
Apesar do discurso abrangente, e de ter presidido a mesa no final da abertura da Rio +10, por deferência do presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, a participação de FHC não teve o impacto esperado por ministros, diplomatas e até representantes independentes da delegação brasileira.
Algo abatido, com inglês sofrível, FHC ainda encontrou concorrentes poderosos, inclusive da própria América Latina: o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, por exemplo, fez um discurso mais político, ideológico e passional, arrancando aplausos entusiasmados da platéia de centenas de pessoas ao condenar o neoliberalismo internacional.

"Sovinice dos ricos"
Depois do almoço, mais à vontade, o presidente deu entrevista no hotel onde está hospedado, o Westcliff, e afirmou: "Em matéria de financiamento, tem havido uma sovinice dos países desenvolvidos, que é inaceitável". E comparou: até o Brasil, com todas as dificuldades, já deixou de cobrar dívidas da própria África do Sul, de Moçambique e de países de América Central.
Voltou a criticar os subsídios e explicou que a tática brasileira é a persistência: "É aquela [coisa] da água mole em pedra dura, tanto bate até que fura". Mesma tática, aliás, que pretende usar para continuar defendendo a meta de energia mesmo após a Rio +10.
Sobre a brecha no texto da conferência que poderia incluir a energia nuclear entre as fontes renováveis, FHC disse que a posição do Brasil é "cautelosa", e a discussão, complexa, porque não está claro "até que ponto o efeito pode ser negativo ou não".
FHC tentou justificar os problemas do Brasil dentro do G-77 (grupo dos países pobres), que não deu apoio, por exemplo, à meta de energia: "O Brasil é como um adolescente que está quase chegando à idade madura e não fica confortável com a roupa que usa", disse.
Acrescentou que o país às vezes se sente mais adequado no G-77 e, às vezes, no G-8, pois "está em fase de expansão". Para não deixar dúvidas, porém, o presidente FHC disse que o "âmbito natural de atuação é o G-77".
Ontem, ele também se encontrou com Nelson Mandela, o líder internacional da luta contra o racismo, no lançamento do Congresso Mundial de Parques, em 2003. Declarou-se amigo pessoal de Mandela e classificou-o como "um ícone de todos nós".

Acordo com Alemanha
FHC também se encontrou com o chanceler alemão, Gerhard Schröder, e outros chefes de Estado ou personalidades presentes à Rio +10. Conforme a Folha antecipou, porém, não foi assinado ontem o badalado projeto Brasil-Alemanha para a produção de 100 mil carros a álcool. Esse programa tem apoio do filho do presidente, Paulo Henrique Cardoso, que é vice-presidente de uma entidade empresarial e participa da conferência em Johannesburgo.
No lugar da assinatura, os dois países divulgaram uma declaração conjunta tortuosa, dizendo que "identificaram" a produção desses carros "como um projeto potencialmente importante sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo de Kyoto". As modalidades ainda estão em estudo.


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