São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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Revolução sexual

Como um estudo sobre carneiros homossexuais atraiu o ódio de ativistas gays e de defensores dos direitos dos animais

JOHN SCHWARTZ
DO "NEW YORK TIMES

Charles Roselli se propôs a descobrir o que faz com que alguns carneiros sejam homossexuais. Então a imprensa e a blogosfera tomaram conta da história.
Pesquisador da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, Roselli há cinco anos vem procurando fatores fisiológicos que possam explicar por que cerca de 8% dos carneiros buscam relações sexuais exclusivamente com outros carneiros, em lugar de ovelhas.
A meta, diz ele, é compreender os mecanismos fundamentais da orientação sexual em ovinos. Outros pesquisadores, disse, poderão algum dia partir de suas descobertas para determinar quais carneiros apresentam maior probabilidade de procriar.
Desde o ano passado, porém, quando a organização Peta (Pessoas em favor do Tratamento Ético dos Animais) lançou uma campanha contra a pesquisa, o trabalho de Roselli desencadeou uma enxurrada de manifestações de ultraje por parte de ativistas em favor dos direitos dos animais, militantes dos direitos dos gays e cidadãos comuns em todo o mundo -tudo isso, diz Roselli, baseado numa interpretação bizarra e equivocada dos objetivos de sua pesquisa.
A tempestade na imprensa chegou ao auge em dezembro, quando o "Sunday Times" de Londres publicou o artigo "Cientistas deveriam deixar carneiros gays em paz".
A matéria afirmava, incorretamente, que Roselli trabalhava para "curar" carneiros homossexuais com tratamentos à base de hormônios, e acrescentou que "críticos temem" que as pesquisas "possam abrir caminho para a eliminar o homossexualismo humano".
A tenista Martina Navratilova, homossexual declarada e também aliada da Peta, escreveu em carta aberta que a pesquisa "só pode ser interpretada como tentativa de desenvolver um tratamento pré-natal" para as condições sexuais.
A controvérsia chegou ao mundo dos blogs, com ataques a Roselli e à sua universidade. A Peta lançou uma campanha de e-mails que, segundo as universidades, resultou em 20 mil protestos, alguns em termos como "você é um inútil matador de animais e deveria ser abatido a tiros".
Mas nas últimas semanas a maré começou a virar. Roselli e Jim Newman, assessor de imprensa da universidade, dizem que vêm trabalhando na imprensa para corrigir os erros de percepção relativos à pesquisa.
A universidade enviou respostas a cada remetente dos e-mails gerados pela Peta. Roselli, cuja pesquisa tem o apoio do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, diz rejeitar a idéia da eugenia sexual em humanos tanto quanto seus críticos. Ele declarou que a sexualidade humana é um fenômeno complexo que não pode ser reduzido a interações entre estrutura cerebral e hormônios.
Nos blogs de onde partiram os ataques, os pesquisadores observam que muitas das acusações são simplesmente falsas, como a afirmação do "Sunday Times" de que os cientistas implantaram artefatos no cérebro dos carneiros.
Roselli e Newman convenceram alguns blogueiros de destaque, incluindo Andrew Sullivan, que assina uma coluna online na "Time", a corrigir alguns posts que haviam citado o artigo do "Sunday Times" sem fazer críticas a seu teor.
Martina Navratilova também recebeu uma resposta da universidade, mas não a considerou convincente. Respondendo a perguntas de um jornalista, ela disse: "Quanto mais brincamos de Deus ou tentamos melhorar o que fez a Mãe Natureza, mais danos causamos com experimentos de todo tipo que já se transformaram ou vão se transformar em pesadelo. De que maneira carneiros homossexuais poderiam ajudar a humanidade?"
Em entrevista, Shalin Gala, representante do Peta, disse que controlar ou modificar a orientação sexual é uma "implicação natural" do trabalho de Roselli. Gala, que pediu para ser identificado como abertamente gay, cita o release para a imprensa de artigo publicado no periódico "Endocrinology", em 2004, que mostrava diferenças de estrutura cerebral entre carneiros homossexuais e heterossexuais.
O release citava Roselli como tendo dito que a pesquisa "também guarda implicações mais amplas para a compreensão do desenvolvimento e controle da motivação sexual e da seleção de parceiros em várias espécies de mamíferos, incluindo os humanos".
Newman, que escreveu o release em questão, disse que a palavra "controle" foi empregada em seu sentido científico, de compreender os controles internos do corpo, e não no sentido de procurar controlar a orientação sexual. Roselli observou que a simples menção a possíveis implicações para humanos de pesquisas básicas é totalmente diferente de uma intenção de transferir esse trabalho para a esfera humana.
Paul Root Wolpe, professor de psiquiatria na Universidade da Pensilvânia e membro sênior do Centro de Bioética da universidade, disse que, embora seja favorável à pesquisa de Roselli, "não estou certo de que eu o deixaria se justificar tão facilmente quanto ele quer".
Ao falar das implicações humanas da pesquisa, mesmo que de maneira bastante cuidadosa, disse Wolpe, Roselli abriu portas à reação que encontrou e que "terá de assumir responsabilidade pela reação pública". Se os mecanismos subjacentes à orientação sexual puderem ser descobertos e manipulados, disse Wolpe, então o argumento de que a orientação sexual é baseada na biologia e é imutável, "evapora".
A perspectiva de, em algum momento futuro, os pais poderem optar por não terem filhos gays é uma preocupação real para o futuro, opinou Wolpe.
Mas acrescentou: "Para enfrentar essa preocupação, será melhor procurar mudar as idéias públicas em relação ao homossexualismo do que impedir a realização de pesquisas científicas básicas sobre a sexualidade".


Tradução de Clara Allain


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