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Revolução sexual
Como um estudo sobre carneiros homossexuais atraiu o ódio de ativistas gays
e de defensores dos direitos dos animais
JOHN SCHWARTZ
DO "NEW YORK TIMES
Charles Roselli se propôs a descobrir o que
faz com que alguns
carneiros sejam homossexuais. Então a
imprensa e a blogosfera tomaram conta da história.
Pesquisador da Universidade
de Saúde e Ciência do Oregon,
Roselli há cinco anos vem procurando fatores fisiológicos
que possam explicar por que
cerca de 8% dos carneiros buscam relações sexuais exclusivamente com outros carneiros,
em lugar de ovelhas.
A meta, diz ele, é compreender os mecanismos fundamentais da orientação sexual em
ovinos. Outros pesquisadores,
disse, poderão algum dia partir
de suas descobertas para determinar quais carneiros apresentam maior probabilidade de
procriar.
Desde o ano passado, porém,
quando a organização Peta
(Pessoas em favor do Tratamento Ético dos Animais) lançou uma campanha contra a
pesquisa, o trabalho de Roselli
desencadeou uma enxurrada
de manifestações de ultraje por
parte de ativistas em favor dos
direitos dos animais, militantes dos direitos dos gays e cidadãos comuns em todo o mundo
-tudo isso, diz Roselli, baseado
numa interpretação bizarra e
equivocada dos objetivos de
sua pesquisa.
A tempestade na imprensa
chegou ao auge em dezembro,
quando o "Sunday Times" de
Londres publicou o artigo
"Cientistas deveriam deixar
carneiros gays em paz".
A matéria afirmava, incorretamente, que Roselli trabalhava para "curar" carneiros homossexuais com tratamentos à base de hormônios, e acrescentou que "críticos temem" que
as pesquisas "possam abrir caminho para a eliminar o homossexualismo humano".
A tenista Martina Navratilova, homossexual declarada e
também aliada da Peta, escreveu em carta aberta que a pesquisa "só pode ser interpretada
como tentativa de desenvolver
um tratamento pré-natal" para
as condições sexuais.
A controvérsia chegou ao
mundo dos blogs, com ataques
a Roselli e à sua universidade. A
Peta lançou uma campanha de
e-mails que, segundo as universidades, resultou em 20 mil
protestos, alguns em termos
como "você é um inútil matador de animais e deveria ser
abatido a tiros".
Mas nas últimas semanas a
maré começou a virar. Roselli e
Jim Newman, assessor de imprensa da universidade, dizem
que vêm trabalhando na imprensa para corrigir os erros de
percepção relativos à pesquisa.
A universidade enviou respostas a cada remetente dos e-mails gerados pela Peta.
Roselli, cuja pesquisa tem o
apoio do Instituto Nacional de
Saúde dos EUA, diz rejeitar a
idéia da eugenia sexual em humanos tanto quanto seus críticos. Ele declarou que a sexualidade humana é um fenômeno complexo que não pode ser reduzido a interações entre estrutura cerebral e hormônios.
Nos blogs de onde partiram
os ataques, os pesquisadores
observam que muitas das acusações são simplesmente falsas, como a afirmação do "Sunday Times" de que os cientistas implantaram artefatos no cérebro dos carneiros.
Roselli e Newman convenceram alguns blogueiros de destaque, incluindo Andrew Sullivan, que assina uma coluna online na "Time", a corrigir alguns posts que haviam citado o
artigo do "Sunday Times" sem
fazer críticas a seu teor.
Martina Navratilova também recebeu uma resposta da
universidade, mas não a considerou convincente.
Respondendo a perguntas de
um jornalista, ela disse: "Quanto mais brincamos de Deus ou
tentamos melhorar o que fez a
Mãe Natureza, mais danos causamos com experimentos de
todo tipo que já se transformaram ou vão se transformar em
pesadelo. De que maneira carneiros homossexuais poderiam
ajudar a humanidade?"
Em entrevista, Shalin Gala,
representante do Peta, disse
que controlar ou modificar a
orientação sexual é uma "implicação natural" do trabalho
de Roselli. Gala, que pediu para
ser identificado como abertamente gay, cita o release para a
imprensa de artigo publicado
no periódico "Endocrinology",
em 2004, que mostrava diferenças de estrutura cerebral
entre carneiros homossexuais
e heterossexuais.
O release citava Roselli como
tendo dito que a pesquisa
"também guarda implicações
mais amplas para a compreensão do desenvolvimento e controle da motivação sexual e da
seleção de parceiros em várias
espécies de mamíferos, incluindo os humanos".
Newman, que escreveu o release em questão, disse que a
palavra "controle" foi empregada em seu sentido científico,
de compreender os controles
internos do corpo, e não no
sentido de procurar controlar a
orientação sexual. Roselli observou que a simples menção a
possíveis implicações para humanos de pesquisas básicas é
totalmente diferente de uma
intenção de transferir esse trabalho para a esfera humana.
Paul Root Wolpe, professor
de psiquiatria na Universidade
da Pensilvânia e membro sênior do Centro de Bioética da
universidade, disse que, embora seja favorável à pesquisa de
Roselli, "não estou certo de que
eu o deixaria se justificar tão
facilmente quanto ele quer".
Ao falar das implicações humanas da pesquisa, mesmo que
de maneira bastante cuidadosa, disse Wolpe, Roselli abriu
portas à reação que encontrou
e que "terá de assumir responsabilidade pela reação pública".
Se os mecanismos subjacentes à orientação sexual puderem ser descobertos e manipulados, disse Wolpe, então o argumento de que a orientação
sexual é baseada na biologia e é
imutável, "evapora".
A perspectiva de, em algum
momento futuro, os pais poderem optar por não terem filhos
gays é uma preocupação real
para o futuro, opinou Wolpe.
Mas acrescentou: "Para enfrentar essa preocupação, será
melhor procurar mudar as
idéias públicas em relação ao
homossexualismo do que impedir a realização de pesquisas
científicas básicas sobre a sexualidade".
Tradução de Clara Allain
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