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+ Marcelo Gleiser
A curiosidade das crianças
Pai, por que o céu
é azul? O que acontece de dia com as estrelas?
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O escritor tcheco Milan Kundera, em seu mais famoso romance, "A Insustentável Leveza do Ser", presta uma homenagem à curiosidade das crianças: "De fato, as
únicas questões realmente sérias são
aquelas que até uma criança pode formular. Apenas as questões mais inocentes são realmente sérias. Elas são as questões sem resposta. Uma questão sem resposta é uma barreira intransponível. Em outras palavras, são as questões sem resposta que definem
as limitações das possibilidades humanas, que descrevem as fronteiras
da existência humana".
Que adulto nunca se deparou com
uma criança fuzilando perguntas,
"Por que isso? Mas por que aquilo?"
Pena que tantos adultos tenham esquecido que, quando eram crianças,
também perguntaram, aflitos, sobre
os mistérios do mundo, da vida e da
morte, e façam tão pouco esforço para
responder às perguntas dos filhos, sobrinhos ou netos:
"Pai, por que o céu é azul? O que
acontece de dia com as estrelas? O que
faz elas brilharem? Será que existe vida em outros planetas? Como a vida
surgiu aqui? E as estrelas, como nasceram? O que aconteceu com a vovó
depois que ela morreu? Quando você
vai morrer?"
"Ah, sei lá filho! Pô, pára de ficar fazendo perguntas. Vai jogar bola, vai!"
Essa semana dei uma palestra na escola do meu filho de 13 anos. Na realidade, não consegui dar a palestra. Um dia antes, o professor sugeriu que cada
um dos alunos me desse uma pergunta por escrito, algo que quisessem saber sobre astronomia ou física.
Resultado: recebi umas cem perguntas, todas relevantes, sobre assuntos de ponta em astrofísica. (Bem,
quase todas; uma mocinha pediu-me
que convencesse seus pais a deixá-la
pôr um brilhante no nariz. Mas ela fez
perguntas pertinentes também.)
Quando cheguei na escola, resolvi
falar apenas sobre as perguntas enviadas e deixei minha apresentação com
"Datashow" de lado.
Foi uma das melhores experiências
da minha carreira como professor.
Primeiro, pelo privilégio de poder falar para 50 crianças e jovens, com idades entre dez e 14 anos.
Segundo, pelo entusiasmo contagiante que emanava
deles. Era possível sentir a eletricidade no ar, o interesse pelos assuntos, a
curiosidade enorme de entender os
mistérios do Universo, a tentativa de
dar sentido à vida, de pô-la em contexto dentro da visão de mundo científica
que tanto define os caminhos da sociedade moderna.
Foram várias perguntas sobre buracos negros, esses estranhos restos
mortais de estrelas que esgotaram seu
combustível nuclear, cuja gravidade é
tão poderosa que pode sugar tudo, inclusive a luz: "O que acontece se cairmos dentro dum buraco negro?
Como nasce um buraco negro? Será que a
Terra cairá num deles? Será que eles
desaparecem? Se nem luz sai deles,
como são detectados?" Outras sobre a
expansão do Universo: "Por que o
Universo está em expansão? Quão rápida é ela? Será que pára um dia? O
que existia antes do Big Bang? Como a
gente sabe que o Universo tem 14 bilhões de anos?" E, claro, sobre vida extra-terrestre: "O senhor já viu um extra-terrestre? O senhor acha que existe vida em Marte? E em outros planetas? Quantos planetas extrasolares já foram descobertos?"
Será que essas dúvidas são tão diferentes das que a maioria dos adultos?
Como disse o físico I. I. Rabi, os cientistas são os "Peter Pans" da sociedade; querem permanecer crianças, curiosos, perguntando-se sempre sobre
os mistérios do mundo. De minha parte, decidi que a cada vez que sentir a
chama falhar e precisar de um pouco
de pó de pirlipimpim, visitarei uma
escola e conversarei com as crianças.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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