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+ Marcelo Leite
Amazônia sob dois fogos
O que será
do Brasil com o
aquecimento da
atmosfera?
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Quando esta coluna chegar às
bancas, já será conhecida de
todos a parte cientificamente
mais relevante do novo relatório de
avaliação do quarto IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança
Climática), abreviado para AR4. O
AR4 prevê que a atmosfera se aquecerá mais ou menos 3C neste século.
Isso é uma enormidade, acredite.
Mas o que acontecerá no Brasil? O que
será das matas do quarto maior emissor de gases que agravam o efeito estufa, por queimar florestas e não tanto combustíveis fósseis?
Esse é o tema de uma série de previsões que o Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais) apresenta neste
mês ao Ministério do Meio Ambiente.
Algumas já vieram a público, como a
de que a temperatura por aqui poderá
subir até 4C (e isso levando em conta
apenas as simulações do relatório anterior do IPCC, de 2001).
Na Amazônia, existe chance de o
aumento beirar 8C, no pior cenário.
No Nordeste e no Sul, esquentaria até
4C. No Centro-Oeste e no Sudeste,
entre 4C e 6C.
Um dos sub-relatórios do Inpe tenta prever o que acontecerá com os
grandes biomas brasileiros (domínios
de vegetação) sob as condições projetadas de aquecimento global e regional. A bola de cristal é um programa de computador que os pesquisadores
chamam de modelo.
No caso, trata-se de um modelo que
simula a vegetação potencial de uma
área. Ou seja, a vegetação que se instalaria no lugar se contassem somente
fatores como temperatura e chuvas.
Apesar de complexo, o programa
não leva em conta condições como o
tipo de solo. Ele pode ser decisivo para
surgir um encrave de cerrado, por
exemplo, em meio a uma floresta (como ocorria originalmente em 14% do
Estado de São Paulo).
O modelo desenvolvido por Carlos
Nobre e Marcos Oyama é chamado de
PVM, e gera mapas de vegetação depois de alimentado com montanhas
de dados sobre precipitação e temperatura. Essas variáveis físicas sobre o
futuro foram acumuladas a partir de
15 modelos climáticos utilizados nas
projeções do IPCC-AR4.
A dezena e meia de programas simuladores não concorda muito quanto ao que acontecerá com as chuvas na
Amazônia. Uns apontam que elas vão
aumentar. Outros que vão diminuir.
A mera elevação da temperatura,
contudo, faz com que aumente a evaporação da água retida no solo e também a transpiração das plantas.
Sobra menos água sob a terra para irrigar as
raízes, mesmo que haja um aumento
da precipitação.
Os mapas futuristas delineiam esse
ressecamento geral na forma de uma
expansão do cerrado sobre o Pará.
Boa parte do que hoje é floresta
amazônica seria substituída por uma
vegetação mais seca, aberta e resistente ao fogo (chamada genericamente
de savana, fora do Brasil). É o fantasma da "savanização" da Amazônia,
que assombra cientistas de vários credos. Isso tudo como resultado apenas
do aquecimento global.
Agora acrescente a isso o desmatamento de milhares de quilômetros
quadrados todos os anos. Mesmo em
queda, ele contribui para ressecar e
esquentar fragmentos de floresta entre as áreas arrasadas.
Com isso, o fogo muitas vezes usado
para limpar pastagens salta, entra e
corre mais fácil pelo chão da mata que
um dia já foi quase impossível de queimar sem derrubar.
A vegetação mais adaptada à seca e
aos incêndios é o cerrado. Um bioma
fenomenal, sob muitos aspectos, mas
só malucos se aventurariam a trocar
por ele a maior e mais rica floresta do
planeta Terra. É fogo.
MARCELO LEITE é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro paradidático "Pantanal, Mosaico das Águas" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em
Dia (www.cienciaemdia.zip.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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