São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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+ Marcelo Leite

Amazônia sob dois fogos


O que será do Brasil com o aquecimento da atmosfera?

Quando esta coluna chegar às bancas, já será conhecida de todos a parte cientificamente mais relevante do novo relatório de avaliação do quarto IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), abreviado para AR4. O AR4 prevê que a atmosfera se aquecerá mais ou menos 3C neste século.
Isso é uma enormidade, acredite. Mas o que acontecerá no Brasil? O que será das matas do quarto maior emissor de gases que agravam o efeito estufa, por queimar florestas e não tanto combustíveis fósseis?
Esse é o tema de uma série de previsões que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apresenta neste mês ao Ministério do Meio Ambiente. Algumas já vieram a público, como a de que a temperatura por aqui poderá subir até 4C (e isso levando em conta apenas as simulações do relatório anterior do IPCC, de 2001).
Na Amazônia, existe chance de o aumento beirar 8C, no pior cenário. No Nordeste e no Sul, esquentaria até 4C. No Centro-Oeste e no Sudeste, entre 4C e 6C.
Um dos sub-relatórios do Inpe tenta prever o que acontecerá com os grandes biomas brasileiros (domínios de vegetação) sob as condições projetadas de aquecimento global e regional. A bola de cristal é um programa de computador que os pesquisadores chamam de modelo.
No caso, trata-se de um modelo que simula a vegetação potencial de uma área. Ou seja, a vegetação que se instalaria no lugar se contassem somente fatores como temperatura e chuvas.
Apesar de complexo, o programa não leva em conta condições como o tipo de solo. Ele pode ser decisivo para surgir um encrave de cerrado, por exemplo, em meio a uma floresta (como ocorria originalmente em 14% do Estado de São Paulo).
O modelo desenvolvido por Carlos Nobre e Marcos Oyama é chamado de PVM, e gera mapas de vegetação depois de alimentado com montanhas de dados sobre precipitação e temperatura. Essas variáveis físicas sobre o futuro foram acumuladas a partir de 15 modelos climáticos utilizados nas projeções do IPCC-AR4.
A dezena e meia de programas simuladores não concorda muito quanto ao que acontecerá com as chuvas na Amazônia. Uns apontam que elas vão aumentar. Outros que vão diminuir. A mera elevação da temperatura, contudo, faz com que aumente a evaporação da água retida no solo e também a transpiração das plantas.
Sobra menos água sob a terra para irrigar as raízes, mesmo que haja um aumento da precipitação.
Os mapas futuristas delineiam esse ressecamento geral na forma de uma expansão do cerrado sobre o Pará.
Boa parte do que hoje é floresta amazônica seria substituída por uma vegetação mais seca, aberta e resistente ao fogo (chamada genericamente de savana, fora do Brasil). É o fantasma da "savanização" da Amazônia, que assombra cientistas de vários credos. Isso tudo como resultado apenas do aquecimento global.
Agora acrescente a isso o desmatamento de milhares de quilômetros quadrados todos os anos. Mesmo em queda, ele contribui para ressecar e esquentar fragmentos de floresta entre as áreas arrasadas.
Com isso, o fogo muitas vezes usado para limpar pastagens salta, entra e corre mais fácil pelo chão da mata que um dia já foi quase impossível de queimar sem derrubar.
A vegetação mais adaptada à seca e aos incêndios é o cerrado. Um bioma fenomenal, sob muitos aspectos, mas só malucos se aventurariam a trocar por ele a maior e mais rica floresta do planeta Terra. É fogo.


MARCELO LEITE é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro paradidático "Pantanal, Mosaico das Águas" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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