|
Próximo Texto | Índice
Transgênicos na estante
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Os adeptos incondicionais da biotecnologia no Brasil
só não cantaram
vitória a plenos
pulmões, de imediato, porque a
medida provisória 327 aprovada no Senado terça-feira ainda
corria o risco de ter trechos vetados pelo presidente. É improvável, mas Lula poderia voltar a acolher a opinião de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, contra a redução do
quórum de aprovação de organismos transgênicos pela
CTNBio, a comissão de biossegurança cunhada para ser técnica antes de ser nacional.
No momento em que se comemora o décimo ano do advento de Dolly, emblema e estigma da tecnobiologia, o Brasil
ainda não sabe o que quer dela.
Foi o enésimo capítulo de
uma novela que se arrasta desde 1998. O enredo pobre opõe
autodeclarados defensores da
ciência e da racionalidade contra supostos obscurantistas
inimigos do progresso. Considerada por esse prisma maniqueísta, a controvérsia nasceu
com irresolução inscrita no seu
próprio DNA, por assim dizer.
Biotecnólogos podem achar
que estão ganhando a parada.
Em certa medida, estão. O verdadeiro fruto social da engenharia genética -desconfiança
perene- se manifesta de maneira aguda, porém, em dois livros recentes, e muito diversos,
lançados nos Estados Unidos.
É incerto que o primeiro,
"Intervention" (Intervenção),
de Denise Caruso, seja traduzido e lançado no Brasil. Quanto
ao segundo, "Next" (Próximo),
de Michael Crichton, sai pela
Editora Rocco ainda este ano.
Os autores são tão díspares e
semelhantes quanto um pé de
soja convencional ao lado de
outro transgênico. À primeira
vista, não se distinguem: ambos desferem golpes vigorosos
contra a biotecnologia.
Caruso, jornalista, esmiúça a
investida controladora lançada
pela indústria biotecnológica
para cima dos coniventes órgãos reguladores dos EUA (paralelos com o Brasil ficam por
conta do leitor). Seu diagnóstico é que a aparente objetividade das análises de risco em favor dos transgênicos não é
mais que isso -aparência, sintoma de tecnocratismo galopante, que se esforça por encenar como luz da razão o que
não passa de viés interessado.
Crichton, romancista best
seller e consultor científico de
George W. Bush, pinta um panorama tenebroso da engenharia genética, no qual a ausência
de escrúpulos enche o mundo
de quimeras. Se em seu livro
anterior atacava arautos do
apocalipse climático, alistando-se entre os céticos, agora se
torna ele mesmo apocalíptico.
Mantém, contudo, o propósito
de influenciar políticas públicas para cercear a ciência.
A jornalista se sai melhor
que o escritor, mas ambos devem ser lidos por quem se interessar pelo futuro da imagem
pública da biologia.
Próximo Texto: Jornalista diz que a análise de risco favorável a produtos com DNA modificado não é objetiva Índice
|