São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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Transgênicos na estante

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Os adeptos incondicionais da biotecnologia no Brasil só não cantaram vitória a plenos pulmões, de imediato, porque a medida provisória 327 aprovada no Senado terça-feira ainda corria o risco de ter trechos vetados pelo presidente. É improvável, mas Lula poderia voltar a acolher a opinião de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, contra a redução do quórum de aprovação de organismos transgênicos pela CTNBio, a comissão de biossegurança cunhada para ser técnica antes de ser nacional.
No momento em que se comemora o décimo ano do advento de Dolly, emblema e estigma da tecnobiologia, o Brasil ainda não sabe o que quer dela.
Foi o enésimo capítulo de uma novela que se arrasta desde 1998. O enredo pobre opõe autodeclarados defensores da ciência e da racionalidade contra supostos obscurantistas inimigos do progresso. Considerada por esse prisma maniqueísta, a controvérsia nasceu com irresolução inscrita no seu próprio DNA, por assim dizer.
Biotecnólogos podem achar que estão ganhando a parada. Em certa medida, estão. O verdadeiro fruto social da engenharia genética -desconfiança perene- se manifesta de maneira aguda, porém, em dois livros recentes, e muito diversos, lançados nos Estados Unidos.
É incerto que o primeiro, "Intervention" (Intervenção), de Denise Caruso, seja traduzido e lançado no Brasil. Quanto ao segundo, "Next" (Próximo), de Michael Crichton, sai pela Editora Rocco ainda este ano.
Os autores são tão díspares e semelhantes quanto um pé de soja convencional ao lado de outro transgênico. À primeira vista, não se distinguem: ambos desferem golpes vigorosos contra a biotecnologia.
Caruso, jornalista, esmiúça a investida controladora lançada pela indústria biotecnológica para cima dos coniventes órgãos reguladores dos EUA (paralelos com o Brasil ficam por conta do leitor). Seu diagnóstico é que a aparente objetividade das análises de risco em favor dos transgênicos não é mais que isso -aparência, sintoma de tecnocratismo galopante, que se esforça por encenar como luz da razão o que não passa de viés interessado.
Crichton, romancista best seller e consultor científico de George W. Bush, pinta um panorama tenebroso da engenharia genética, no qual a ausência de escrúpulos enche o mundo de quimeras. Se em seu livro anterior atacava arautos do apocalipse climático, alistando-se entre os céticos, agora se torna ele mesmo apocalíptico. Mantém, contudo, o propósito de influenciar políticas públicas para cercear a ciência.
A jornalista se sai melhor que o escritor, mas ambos devem ser lidos por quem se interessar pelo futuro da imagem pública da biologia.


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