São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Pesquisa revela ecologia cambriana

Nos mares, relação entre presa e predador segue a mesma organização há mais de 500 milhões de anos, diz grupo

Evolução extinguiu grupos que não desenvolveram defesas eficientes; o grande predador "Anomalocaris" seguiu uma trilha sem saída

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Há 520 milhões de anos, as criaturas marinhas viviam sob a mesma organização ecológica identificada nos oceanos atuais. É o equivalente a dizer que, daqui a mais de 500 milhões de anos, a internet, por exemplo, vai funcionar com a mesma estrutura básica que ela tem hoje. Alguém se arrisca a fazer tal previsão?
O resultado do estudo pioneiro, publicado na semana passada na "PLoS Biology", mostra com detalhe como os animais do Período Cambriano -logo após da maior explosão da biodiversidade da história- se comportavam.
As relações entre predadores e presas já eram bastante modernas, semelhantes aos padrões atuais, revela a pesquisa. A distribuição de quantos tipos de presa cada espécie tem, por exemplo, permaneceu bastante semelhante ao longo do tempo.
O número de espécies que estavam no topo da cadeia, ou aquelas que se alimentavam de qualquer tipo de ser vivo, também não variou muito em milhões de anos. A relação direta entre grupos de animais, portanto, tende à estabilidade.
A descoberta feita agora ajuda a preencher um pouco mais o surpreendente quebra-cabeça da evolução da vida na Terra. E, inclusive, entender melhor o que faz uma espécie desaparecer do mapa, ainda mais quando existem outras que invadem o seu ambiente natural, algo muito normal no século 21.
"Nós não sabíamos direito o que esperar", atesta Jennifer Dunne, do Instituto Santa Fé, no Novo México (EUA). "Como a diferença de tempo é muito grande, nosso pensamento inicial era de que as teias de mais de 500 milhões de anos deveriam ser muito diferentes, ainda mais porque, durante todo esse tempo, tudo foi fortemente moldado pela evolução", disse a cientista à Folha.
Porém, a semelhança de padrão ecológico identificada pelo estudo "não deixa de ser uma grande surpresa", admite a pesquisadora do Novo México.

Dono do mar
Os cálculos matemáticos aliados a observações paleontológicas -uma das comunidades estudadas é da região do folhelho (tipo de rocha sedimentar) Chengjiang, no leste da China - levaram os cientistas, com uma baixa margem de erro, quase à realidade do mundo submarino cambriano.
Sem dúvida, explica Dunne, o Anomalocaris ("camarão anormal", em grego latinizado) era um dos grandes predadores daquele tempo. "Essa criatura poderia medir mais de um metro de comprimento. Era uma nadadora forte, com grandes olhos, apêndices eficientes e dentes bem adaptados." Na teia ecológica identificada agora, ela se alimentava de pequenos artrópodes, incluindo os trilobitas, que ocupavam vários nichos naquele tempo, assim como os crustáceos atuais.
É então que entra na história o implacável ritmo da evolução. Os grandes predadores do passado seguiram um caminho único. Ele se extinguiram e não deixaram descendentes que chegassem aos dias atuais.
O mesmo ocorreu, de forma geral, com vários grupos que participavam daquela mesma teia ecológica.
"Apesar do padrão ecológico do Cambriano ser mais ou menos o mesmo do de hoje, claro que descobrimos intrigantes diferenças", avisa Dunne. A bióloga explica que o número de ligações entre presa e o seu predador era muito mais variável no passado. "As espécies mais vulneráveis tinham, aparentemente, um grande número de predadores, mais do que o esperado por nós."
É nesse ponto, especula Dunne, que a evolução deve ter atacado ao longo do tempo. As espécies mais vulneráveis ou desenvolveram defesas para sobreviver ou saíram do jogo.
É como a internet que, com o passar do tempo, precisa aumentar suas defesas contra os criadores de vírus para poder continuar a funcionar de forma mais ou menos estável.


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