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Pesquisa revela ecologia cambriana
Nos mares, relação entre presa e predador segue a mesma organização há mais de 500 milhões de anos, diz grupo
Evolução extinguiu grupos que não desenvolveram defesas eficientes; o grande predador "Anomalocaris" seguiu uma trilha sem saída
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Há 520 milhões de anos, as
criaturas marinhas viviam sob
a mesma organização ecológica
identificada nos oceanos
atuais. É o equivalente a dizer
que, daqui a mais de 500 milhões de anos, a internet, por
exemplo, vai funcionar com a
mesma estrutura básica que ela
tem hoje. Alguém se arrisca a
fazer tal previsão?
O resultado do estudo pioneiro, publicado na semana
passada na "PLoS Biology",
mostra com detalhe como os
animais do Período Cambriano
-logo após da maior explosão
da biodiversidade da história-
se comportavam.
As relações entre predadores
e presas já eram bastante modernas, semelhantes aos padrões atuais, revela a pesquisa.
A distribuição de quantos tipos
de presa cada espécie tem, por
exemplo, permaneceu bastante
semelhante ao longo do tempo.
O número de espécies que estavam no topo da cadeia, ou
aquelas que se alimentavam de
qualquer tipo de ser vivo, também não variou muito em milhões de anos. A relação direta
entre grupos de animais, portanto, tende à estabilidade.
A descoberta feita agora ajuda a preencher um pouco mais
o surpreendente quebra-cabeça da evolução da vida na Terra.
E, inclusive, entender melhor o
que faz uma espécie desaparecer do mapa, ainda mais quando existem outras que invadem
o seu ambiente natural, algo
muito normal no século 21.
"Nós não sabíamos direito o
que esperar", atesta Jennifer
Dunne, do Instituto Santa Fé,
no Novo México (EUA). "Como
a diferença de tempo é muito
grande, nosso pensamento inicial era de que as teias de mais
de 500 milhões de anos deveriam ser muito diferentes, ainda mais porque, durante todo
esse tempo, tudo foi fortemente moldado pela evolução", disse a cientista à Folha.
Porém, a semelhança de padrão ecológico identificada pelo estudo "não deixa de ser uma
grande surpresa", admite a
pesquisadora do Novo México.
Dono do mar
Os cálculos matemáticos
aliados a observações paleontológicas -uma das comunidades estudadas é da região do folhelho (tipo de rocha sedimentar) Chengjiang, no leste da
China - levaram os cientistas,
com uma baixa margem de erro, quase à realidade do mundo
submarino cambriano.
Sem dúvida, explica Dunne, o
Anomalocaris ("camarão anormal", em grego latinizado) era
um dos grandes predadores daquele tempo. "Essa criatura poderia medir mais de um metro
de comprimento. Era uma nadadora forte, com grandes
olhos, apêndices eficientes e
dentes bem adaptados." Na teia
ecológica identificada agora,
ela se alimentava de pequenos
artrópodes, incluindo os trilobitas, que ocupavam vários nichos naquele tempo, assim como os crustáceos atuais.
É então que entra na história
o implacável ritmo da evolução. Os grandes predadores do
passado seguiram um caminho
único. Ele se extinguiram e não
deixaram descendentes que
chegassem aos dias atuais.
O mesmo ocorreu, de forma
geral, com vários grupos que
participavam daquela mesma
teia ecológica.
"Apesar do padrão ecológico
do Cambriano ser mais ou menos o mesmo do de hoje, claro
que descobrimos intrigantes
diferenças", avisa Dunne. A
bióloga explica que o número
de ligações entre presa e o seu
predador era muito mais variável no passado. "As espécies
mais vulneráveis tinham, aparentemente, um grande número de predadores, mais do que o
esperado por nós."
É nesse ponto, especula
Dunne, que a evolução deve ter
atacado ao longo do tempo. As
espécies mais vulneráveis ou
desenvolveram defesas para
sobreviver ou saíram do jogo.
É como a internet que, com o
passar do tempo, precisa aumentar suas defesas contra os
criadores de vírus para poder
continuar a funcionar de forma
mais ou menos estável.
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