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São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2003

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BIOLOGIA

Estudo de Yale, Cornell e UFMG mostra que organela descoberta no núcleo distribui mensagens na forma de cálcio

Grupo desvenda nova estrutura da célula

MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Retículo nucleoplasmático (RN). Guarde o nome da mais nova organela celular, cuja descoberta teve a participação de uma brasileira, Maria de Fátima Leite. Ele não deve cair no vestibular deste ano, ainda, mas logo estará na lista a decorar para passar no exame de biologia, ao lado de mitocôndrias, ribossomos e aparatos de Golgi. Afinal, há indícios de que o RN possa estar envolvido em processos vitais, da morte celular à formação de tumores.
Leite, 35, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trabalhou em parceria com cientistas das universidades Yale e Cornell, ambas norte-americanas. Ela ficou responsável por experimentos de caracterização da nova organela. Como primeira autora do trabalho publicado eletronicamente na revista "Nature Cell Biology" (www.nature.com/naturecellbiology) figura Wihelma Echevarría, de Yale, a primeira a visualizar o RN. O coordenador da equipe foi Michael Nathanson, também de Yale.
O primeiro cuidado do futuro vestibulando deverá ser o de não confundir a nova estrutura descrita com sua prima já conhecida, o retículo endoplasmático (RE). Parentes na forma e na função, eles não frequentam a mesma turma na célula. O RE fica no citoplasma, o recheio da célula, ou tudo que se encontra fora do núcleo e dentro da membrana celular. O RN está confinado ao núcleo, mas tem pontos de contato com seu envelope e com o primo RE.
Ambas as organelas estão envolvidas no processamento de um dos principais sistemas sinalizadores da célula, os íons de cálcio (Ca2+, um átomo de cálcio que perdeu dois elétrons). Já era conhecido que um sistema desses atuava no núcleo, mas não como nem onde, exatamente. Também já haviam sido detectadas no núcleo pequenas redes (retículos). A grande contribuição do grupo de Leite foi mostrar que esses retículos contêm o Ca2+ e são capazes de modular sua presença em áreas delimitadas do núcleo.
A modulação ocorre na forma de ondas ou picos desses íons, sinais tomados pela maquinaria como ordens ou sugestões para executar certa tarefa. Pode ser a ativação de um gene, ou o início de uma cascata que leva à morte programada da célula (apoptose), ou vários outros processos vitais dos quais o Ca2+ participa.
Se o núcleo da célula fosse um computador, os RNs seriam circuitos, e os íons Ca2+, elétrons que transitam por esses circuitos. A analogia só não é perfeita porque circuitos de computador trabalham só com elétrons, enquanto o núcleo e a célula operam com vários outros tipos de sinal.
Outro ponto importante verificado na pesquisa foi que esses sinais são processados no núcleo também de maneira independente do nível de cálcio no citoplasma. O RN tem o poder de aumentar sozinho o Ca2+ numa área nuclear específica, sem receber íons através de seus pontos de contato com o citoplasma ou com o RE. É como se fosse um computador dentro do computador, se bem que interconectados.
Embora se trate de pesquisa básica de biologia, o trabalho de Leite pode ajudar a entender as situações em que esse computador celular trava, ou dispara a fazer coisas indesejadas, como emitir ordens para a célula se multiplicar freneticamente, como ocorre em tumores. "O Ca2+ está envolvido tanto em proliferação celular quanto em apoptose", diz a cientista de Minas. Uma de suas linhas de pesquisa diz respeito à ação dos sinais de cálcio na regeneração de células de fígado.


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