|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Seca na África barrou expansão humana
Somente com a volta das chuvas no continente, há 70 mil anos, população começou a migrar, diz estudo
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma mudança no clima da
África 70 mil anos atrás pode
estar por trás da grande expansão da população humana na
época e da sua migração para
fora desse continente, o berço
do homem moderno.
A pista para a alteração climática foi encontrada no fundo
de três lagos africanos. Antes da
pesquisa, relatada na atual edição da revista científica
"PNAS" (www.pnas.org), da
Academia de Ciências dos
EUA, o que se sabia do clima
antigo do continente vinha de
dados coletados no mar.
Segundo os 19 autores do estudo, coordenado por Christopher Scholz, do Departamento
de Ciências da Terra da Universidade Syracuse, EUA, o pano de fundo ambiental da evolução e disseminação do Homo
sapiens primitivo na África
oriental é conhecido principalmente através de formações
geológicas isoladas e de sedimentos marinhos distantes.
Eles fizeram sondagens nos
lagos Nyasa (Maláui) e Tanganica, na África oriental, e no lago Bosumtwi, em Gana, para
obter dados climáticos antigos
de regiões continentais.
Os dados do Nyasa foram
particularmente completos e
continuados. "Nosso registro
mostra períodos de severa aridez entre 135 mil e 75 mil anos
atrás, quando o volume de água
do lago foi reduzido em pelo
menos 95%", escreveram eles.
Somando-os aos dados obtidos nos outros lagos, os cientistas puderam documentar um
aumento "dramático" na umidade a partir de 70 mil anos
atrás. Os lagos foram se enchendo de água e o clima tornou-se mais estável.
"Essa mudança climática pode ter estimulado a expansão e
migrações das antigas populações humanas", dizem eles no
estudo -que, no entanto, se
concentra mais em registrar as
mudanças no clima do que em
especular sobre como se teria
dado a evolução humana.
"A mudança para um clima
mais estável e hospitaleiro depois de 70 mil anos atrás muito
provavelmente contribuiu para
a expansão das populações humanas ao aliviar muitos dos estresses ambientais que certamente estavam operativos antes", disse Scholz à Folha; mas
também "é possível que apenas
o aumento de pressões populacionais tenha contribuído para
as migrações".
Segundo Scholz, ainda existe
muito debate sobre quando teriam sido as migrações bem sucedidas para fora da África; há
quem sugira que isso só teria
ocorrido há 54 mil anos.
"É difícil definir um mecanismo causal exato, dado esse
nível de incerteza no registro
antropológico. O registro paleoclimático também não é
muito preciso", diz o cientista.
Para ele, o aspecto provavelmente mais importante do estudo foi o reconhecimento de
que ciclos de aridez e umidade
não são sincrônicos com as glaciações nas regiões de latitude
mais alta e sim causados por
mudanças na órbita da Terra.
Segundo Scholz, um outro
artigo, escrito por um dos co-autores, Andrew Cohen, da
Universidade do Arizona, deverá ser publicado nas próximas
semanas na mesma "PNAS"
trazendo mais detalhes sobre a
questão das migrações humanas pré-históricas.
Além dos dados fósseis, é
possível utilizar estudos de material genético -como o DNA
das mitocôndrias, passado por
via materna-, para inferir a
data das migrações. Como lembram Scholz e colegas, antigos
estudos de DNA mitocondrial
indicavam a origem dos ancestrais humanos no sul ou no leste da África.
Texto Anterior: Genes explicam agressividade de tumores Próximo Texto: Pesquisa paulista: Celso Lafer assume presidência da Fapesp Índice
|