São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2010

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Cientistas atacam selo "verde" de pesca

Grupo liderado por canadenses diz que práticas pesqueiras supostamente sustentáveis estão sendo desvirtuadas

Conselho que concede a certificação a empresas está permitindo captura de espécies que sofrem declínio populacional


Reprodução
Banca de peixe com o logotipo do MSC (Conselho de Boa Gestão dos Mares, na sigla inglesa)

GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO

A credibilidade do principal selo de pesca sustentável do planeta -que já andava um tanto abalada- foi definitivamente posta em xeque nesta semana.
Em artigo na revista "Nature", pesquisadores acusam o MSC (Conselho de Boa Gestão dos Mares, em inglês) de se preocupar cada vez mais com os interesses da indústria pesqueira, deixando de lado as questões ambientais.
"Nós acreditamos que os incentivos do mercado afastaram o esquema de certificação de seu objetivo original, promovendo, como nunca antes, a certificação das operações de capital intensivo", afirmam os cientistas, liderados por Jennifer Jacquet e Daniel Pauly, da Universidade da Colúmbia Britânica.
De acordo com eles, a expansão do órgão acompanhou o interesse por frutos do mar pescados de forma responsável. As indústrias certificadas saltaram de seis, em 2004, para 94 atualmente. Outras 118 estão em processo de avaliação.
Embora o MSC seja uma entidade sem fins lucrativos, a certificação custa caro: entre US$ 15 mil e US$ 150 mil (algo em torno de R$ 26,4 mil e R$ 264 mil) por companhia.
Esse dinheiro é pago a consultorias credenciadas -com fins lucrativos- que conduzem todo o processo.
Para os cientistas, esse sistema cria um conflito de interesses. Os responsáveis pelas avaliações podem achar que, se forem mais lenientes com o cumprimento dos critérios, podem receber mais trabalho e lucrar com as auditorias anuais obrigatórias, que podem custar até US$ 75 mil.

DA PESCA À MESA
De acordo com os parâmetros da organização, todas as etapas "da pesca à mesa" precisam ser avaliados. Isso faz os processos se arrastarem por muito tempo, em alguns casos, durante anos.
Além da questão financeira, o artigo também critica os parâmetros ambientais que regulam o MSC.
Para contestar essas avaliações é preciso pagar taxas que chegam a milhares de dólares. A palavra final é dada por especialistas independentes que, conforme o artigo, são advogados, e não cientistas. Dos quatro atuais, apenas dois têm experiência com manejo de pesca.
A certificação da pesca do krill da Antártida (Euphausia superba) - um crustáceo de mares frios semelhante ao camarão- é outro dos tópicos mais sensíveis.
Eles são a base da cadeia alimentar do ecossistema, servindo de alimento para peixes, baleias e vários outros animais marinhos.
Os pesquisadores contestam os números do MSC - de que apenas 1% dos krills estão sofrendo pressão pesqueira. Citam estudos anteriores que falam da rápida e crescente redução dessas populações. E há outros casos aparentemente ainda mais graves (veja quadro acima).
A pouca representatividade dos países em desenvolvimento também foi alvo dos cientistas. A maior parte dos frutos do mar consumidos na Europa e nos EUA vêm dessas nações, que têm apenas uma empresa certificada e nenhum representante no conselho da entidade.
Para José Truda, membro de um grupo de ONGs conservacionistas latinoamericanas, a nacionalidade não é tão relevante. "O principal é o comprometimento ambiental, que independe de nacionalidade. Infelizmente, isso anda em falta no MSC", afirmou ele, que concorda com as outras críticas do artigo.


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