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Uruguai tinha sociedade complexa
DA REDAÇÃO
Os antigos manuais de antropologia ensinam: os índios da
América do Sul estão divididos
em poderosos impérios, como o
dos incas, nas terras altas dos Andes, e povos bárbaros no resto do
continente. Se alguém ainda acredita nessa divisão, a descoberta de
sociedades complexas que habitavam aldeias de alta densidade demográfica no insuspeito Uruguai
há 4.200 anos deve dar uma boa
pausa para reflexão.
Arqueólogos do Uruguai, do
Panamá e dos EUA escavaram no
sudeste do país, perto da fronteira
com o Rio Grande do Sul, vestígios de uma sociedade indígena
que já praticava agricultura, construía aterros e organizava suas
malocas em torno de uma grande
praça circular há mais de quatro
milênios. Uma realidade bem diferente da que se supunha para a
pré-história da bacia do Prata, o
Uruguai em especial -achava-se
que a região tivesse sido ocupada
apenas por caçadores-coletores.
As escavações nos aterros artificiais do sítio batizado de Los Ajos
revelaram a exploração de milho,
abóbora e feijões numa época em
que a agricultura ainda engatinhava no continente. Também
apareceram ferramentas de pedra
e indícios de modificação da paisagem numa escala compatível
com assentamentos permanentes
e densidades populacionais altas
no Holoceno Médio (que vai de
6.600 anos a 4.000 anos atrás).
"Nossos dados têm correspondência com desenvolvimentos
culturais documentados recentemente durante o Holoceno Médio
e Superior na Amazônia, na costa
atlântica do Brasil e possivelmente no Pantanal, regiões que, juntamente com a bacia do Prata, eram
consideradas marginais", escrevem os autores, liderados por José
Iriarte, do Centro Smithsoniano
para Pesquisa Tropical, no Panamá. Eles publicaram seus achados
na última edição da revista científica "Nature" (www.nature.com).
Tradição
O pressuposto de que os índios
das terras baixas da América do
Sul eram uns tapados que viviam
à sombra dos Estados andinos é
uma tradição na antropologia
norte-americana que não só pegou, como criou raízes profundas.
O mito foi criado pelo americano
Julian Steward, editor do "Handbook of South American Indians"
("Manual dos Índios Sul-Americanos"), de 1946, considerado a
bíblia da etnologia no continente.
Grosso modo, o manual de Steward dividia as sociedades nativas
em centrais, com Estados (nos
Andes), intermediárias, com cacicados ou chefaturas (no Caribe) e
marginais (nas terras baixas).
Subestimando o impacto da
conquista européia sobre as populações indígenas, usando um
registro arqueológico falho e munido de um determinismo ambiental assustador -que apregoava, por exemplo, que os solos
pobres da Amazônia jamais poderiam suportar grandes populações de agricultores, tese hoje desacreditada-, o pensamento estabelecido pelo "Handbook" pautou as pesquisas arqueológicas na
América do Sul até os anos 1980.
A partir daí, uma série de descobertas passou a literalmente reescrever a pré-história. A arqueóloga americana Anna Roosevelt
propôs que a complexidade cultural tenha surgido na bacia amazônica, não nos Andes -é no Pará que está a cerâmica mais antiga
do continente, com 8.000 anos. O
sítio de Los Ajos adiciona mais
uma região, o Prata, a um quadro
que mostra um passado movimentado. "Nossas expectativas
para as realizações indígenas deveriam ser maiores", escreveu o
antropólogo Peter Stahl, da Universidade de Binghamton (EUA),
em comentário ao estudo na mesma edição da "Nature".
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