São Paulo, terça-feira, 05 de fevereiro de 2008

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Células-tronco neurais são úteis para a aprendizagem

Novos neurônios no cérebro adulto ajudam camundongo a se localizar no espaço

Pesquisa norte-americana foi realizada a partir de uma das melhores ferramentas genéticas disponíveis, diz pesquisador brasileiro

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

No carnaval, é preciso saber se encontrar. Localizar-se rapidamente no salão, nas ladeiras de uma cidade histórica ou na avenida é essencial para não perder o melhor da folia, e coincidentemente isso tem a ver com uma descoberta científica anunciada por uma equipe do Instituto Salk, na Califórnia.
Os pesquisadores conseguiram relacionar pela primeira vez o aprendizado espacial desenvolvido pelo mamíferos com o surgimento de células-tronco adultas em regiões específicas do cérebro. O estudo, publicado na atual edição da revista "Nature", porém, foi realizado em camundongos.
"Estes dados mostram que os novos neurônios são importantes para atividades cognitivas específicas, no caso, a aprendizagem espacial e o auxílio à memória", afirma Rosalia Mendez-Otero, bióloga da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ou seja, células-tronco no cérebro ajudam alguém a encontrar seu bloco, seguir o trio elétrico e depois ainda achar o caminho de casa.
Segundo a pesquisadora brasileira, já existia uma prova recente de que há células-tronco neurais em áreas específicas do cérebro dos mamíferos adultos. "E essas regiões produzem novos neurônios continuamente", explica Mendez-Otero.
A plasticidade, palavra que neurocientistas usam para se referir à capacidade do cérebro de se adaptar a diversas necessidades ao longo do desenvolvimento, acaba então de ganhar mais um significado.
"O que vem sendo muito discutido é se esses novos neurônios servem para alguma coisa. Caso eles não fossem formados, que alterações funcionais poderiam ser observadas nos animais?", questiona a pesquisadora da UFRJ.

Transgênico no salão
Para mostrar que a formação de novos neurônios é desencadeada por fatores externos, os cientistas do Instituto Salk -Chun-Li Zhang é o principal autor do estudo- desenvolveram camundongos transgênicos específicos. Esses animais tinham os receptores fundamentais para o crescimento de novos neurônios desligados. Em vez do salão de carnaval, porém, eles foram testados numa "academia de ginástica".
Os cientistas já sabiam que o exercício físico -que requer que o cérebro lide com informações sobre o espaço ao redor do corpo- provocam a formação de novos neurônios. Testes específicos para medir o grau dessa interferência foram então aplicados nos roedores.
As avaliações mostraram aquilo que os pesquisadores já imaginavam. Sem as novas células -que não surgiram exatamente por causa do bloqueio genético provocado pelos cientistas- a aprendizagem espacial e a consolidação da memória ficaram prejudicadas.
"Essa estratégia genética usada nesse trabalho é uma das melhores ferramentas de que dispomos", afirma Alysson Muotri, biólogo brasileiro que também trabalha no Salk. Ele não assinou o trabalho, mas participou de descobertas anteriores do grupo.
"Não podemos descartar por completo um eventual efeito colateral [para explicar os resultados da pesquisa], mas, a combinação desses dados com outros da literatura apontam para essa nova importância". Para Muotri, os novos neurônios realmente desempenham a função de auxílio na memória e no aprendizado espacial.
"Sabendo que o exercício voluntário (correr em rodinhas, no caso dos camundongos) aumenta a neurogênese [formação de novos neurônios], eles poderiam ter usado isso para ver se a perda da neurogênese poderia ter sido resgatada com o exercício", diz Muotri.

Efeito inverso
O encaixe de mais essas peças no quebra-cabeça da plasticidade cerebral também é importante por um outro fator.
O estudo mostrou que a ausência da formação de novos neurônios, ao contrário do que era mais provável, não pode ser considerada uma tragédia.
"Funções como locomoção, atividades rítmicas diurnas e outros tipos de aprendizagem [como o sentimento do medo, por exemplo] não são afetadas por esse processo", diz a pesquisadora da UFRJ.
Com a ferramenta genética funcionando bem, e uma função específica importante da neurogênese detectada, agora será possível também avançar as pesquisas na direção de ajudar os mecanismos neurais não-saudáveis a conseguirem se localizar no espaço.


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