São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2007

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+ Marcelo Leite

Desmatamento à vista

O teste de fogo de Marina é agora, com as queimadas

Há dúvidas sobre Marina Silva ter feito um bom negócio ao lutar com tanto afinco para manter-se no Ministério do Meio Ambiente (MMA) no segundo governo Lula e obter do presidente carta branca para reformulá-lo. Sob a aparência de ganho de força e controle, pode na realidade estar enfraquecida. Seu teste de fogo começa agora, com as queimadas na Amazônia.
A ministra já havia perdido a batalha dos transgênicos na CTNBio (embora a guerra prossiga ainda na Justiça e na Anvisa) e cedido na transposição do São Francisco. Teve de engolir Angra 3 e entregar o licenciamento ambiental das hidrelétricas do rio Madeira. Enfrentou até uma rebelião corporativista no Ibama. Nem por isso escapou de ser responsabilizada por fracassos nos leilões de energia. Como se fosse dela, e não de Dilma Rousseff, o DNA regulador do setor elétrico.
Sérgio Abranches não se cansa de dizer no portal www.oeco.com.br que a matriz energética brasileira é cada vez mais suja (termelétricas a óleo e carvão) por causa do modelo arquitetado pela ex-ministra das Minas e Energia, e não das licenças ambientais. Mas quem ouve? Em política, como se diz, vale a versão. Pouco importa se o MMA está ou não passando por uma efetiva modernização. Enquanto os inimigos da ministra na Esplanada, no Planalto e na imprensa conseguirem impingir-lhe o figurino de vanguarda do atraso, o prestígio de Marina Silva prosseguirá em erosão contínua, lenta e segura.
Isso, claro, se não sobrevier o desastre. Seu grande e talvez único trunfo -a justa imagem de defensora da floresta- está vinculado à queda nas taxas de desmatamento. Com efeito, elas caíram coisa de 30% por dois anos seguidos. Não há certeza de que continuem assim, contudo. O MMA sustenta que a redução no ritmo de destruição da floresta decorreu de suas ações contra quadrilhas de madeireiros e grileiros e da criação de unidades de conservação. Decerto as medidas desempenharam seu papel. O que não se sabe com segurança é quanto dessa diminuição foi contribuído pela crise de preços e financeira enfrentada por sojicultores.
Agora a economia voltou a crescer em ritmo considerável, e os preços da soja estão subindo. Só os míopes verão nessa escalada uma flutuação conjuntural. Há boas razões para crer que os preços agrícolas em geral -e não só da commodity que avança pelo cerrado e flanqueia a Amazônia- continuarão subindo nos próximos anos.
Os biocombustíveis, como álcool (etanol) e biodiesel, estão na raiz desse processo. O Brasil, detentor do maior estoque mundial de terras agricultáveis ainda não exploradas, está em posição de beneficiar-se privilegiadamente com ele. Não há por que torcer contra. Pode-se discutir indefinidamente se a cana ameaça a Amazônia, onde quase não é plantada, ou se a soja ocupa só áreas de desmatamento antigo.
Poucos duvidam, porém, que a fronteira agrícola se expandirá no país, nos próximos anos. A questão é saber se o Estado brasileiro conseguirá disciplinar esse avanço, ou se a floresta amazônica sucumbirá como a mata atlântica, no passado, e neste exato momento o cerrado.
Marina Silva não precisa bandear-se para o alarmismo de Fidel Castro e coadjuvantes que, como Frei Betto, já falam em "necrocombustíveis". Insegurança alimentar não é o resultado necessário de um ciclo de expansão agroindustrial. Bem mais possível, até provável, é que a devastação chegue antes, neste ano ou em 2008. Por isso ela deveria pôr as barbas de molho, se as tivesse.


MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência em Dia ( www.cienciaemdia.zip.net ).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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