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+ Marcelo Leite
Desmatamento à vista
O teste de fogo de Marina é agora, com as queimadas
Há dúvidas sobre Marina Silva
ter feito um bom negócio ao
lutar com tanto afinco para
manter-se no Ministério do Meio Ambiente (MMA) no segundo governo
Lula e obter do presidente carta branca para reformulá-lo. Sob a aparência
de ganho de força e controle, pode na
realidade estar enfraquecida. Seu teste de fogo começa agora, com as queimadas na Amazônia.
A ministra já havia perdido a batalha dos transgênicos na CTNBio (embora a guerra prossiga ainda na Justiça e na Anvisa) e cedido na transposição do São Francisco. Teve de engolir
Angra 3 e entregar o licenciamento
ambiental das hidrelétricas do rio Madeira. Enfrentou até uma rebelião corporativista no Ibama.
Nem por isso escapou de ser responsabilizada por fracassos nos leilões de energia. Como se fosse dela, e
não de Dilma Rousseff, o DNA regulador do setor elétrico.
Sérgio Abranches não se cansa de
dizer no portal www.oeco.com.br
que a matriz energética brasileira é
cada vez mais suja (termelétricas a
óleo e carvão) por causa do modelo arquitetado pela ex-ministra das Minas
e Energia, e não das licenças ambientais. Mas quem ouve?
Em política, como se diz, vale a versão. Pouco importa se o MMA está ou
não passando por uma efetiva modernização. Enquanto os inimigos da ministra na Esplanada, no Planalto e na
imprensa conseguirem impingir-lhe o
figurino de vanguarda do atraso, o
prestígio de Marina Silva prosseguirá
em erosão contínua, lenta e segura.
Isso, claro, se não sobrevier o desastre. Seu grande e talvez único trunfo
-a justa imagem de defensora da floresta- está vinculado à queda nas taxas de desmatamento. Com efeito,
elas caíram coisa de 30% por dois anos
seguidos. Não há certeza de que continuem assim, contudo.
O MMA sustenta que a redução no
ritmo de destruição da floresta decorreu de suas ações contra quadrilhas de
madeireiros e grileiros e da criação de
unidades de conservação. Decerto as
medidas desempenharam seu papel.
O que não se sabe com segurança é
quanto dessa diminuição foi contribuído pela crise de preços e financeira
enfrentada por sojicultores.
Agora a economia voltou a crescer
em ritmo considerável, e os preços da
soja estão subindo. Só os míopes verão
nessa escalada uma flutuação conjuntural. Há boas razões para crer que os
preços agrícolas em geral -e não só da
commodity que avança pelo cerrado e
flanqueia a Amazônia- continuarão
subindo nos próximos anos.
Os biocombustíveis, como álcool
(etanol) e biodiesel, estão na raiz desse processo. O Brasil, detentor do
maior estoque mundial de terras agricultáveis ainda não exploradas, está
em posição de beneficiar-se privilegiadamente com ele. Não há por que
torcer contra.
Pode-se discutir indefinidamente
se a cana ameaça a Amazônia, onde
quase não é plantada, ou se a soja ocupa só áreas de desmatamento antigo.
Poucos duvidam, porém, que a fronteira agrícola se expandirá no país,
nos próximos anos. A questão é saber
se o Estado brasileiro conseguirá disciplinar esse avanço, ou se a floresta
amazônica sucumbirá como a mata
atlântica, no passado, e neste exato
momento o cerrado.
Marina Silva não precisa bandear-se para o alarmismo de Fidel Castro e
coadjuvantes que, como Frei Betto, já
falam em "necrocombustíveis". Insegurança alimentar não é o resultado
necessário de um ciclo de expansão
agroindustrial. Bem mais possível, até
provável, é que a devastação chegue
antes, neste ano ou em 2008. Por isso
ela deveria pôr as barbas de molho, se
as tivesse.
MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma"
(Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência
em Dia ( www.cienciaemdia.zip.net ).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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