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+ Marcelo Gleiser
Sol frio
"Sunshine" é sério, mas tem enredo científico absurdo
Embalado com minha ida ao
cinema para assistir "Transformers" (coluna de domingo
passado), resolvi continuar a exploração sobre o que anda ocorrendo com a
ciência nas telas com um filme muito
diferente, mas também de ficção científica, chamado "Sunshine" (a tradução literal seria "Brilho do Sol").
Realmente, é outra coisa, por completo. Para começar, o diretor inglês
Danny Boyle tem uma obra bem diferente da de Michael Bay, cria da MTV
que dirigiu, entre outros, "Transformers" e "Armageddon".
Boyle é sério, e o filme é sério. Mais
do que um filme sobre o Sol, é um estudo de o que ocorre com um grupo de
pessoas numa situação altamente perigosa e épica, onde nossa fragilidade
enquanto seres humanos frente a um
universo indiferente à vida é exposta
de forma trágica. Ainda bem, pois como dizia o escritor italiano Luigi Pirandello, a ficção tem que ser mais
convincente do que a realidade. E, enquanto enredo científico, o filme
"Sunshine" é totalmente absurdo.
Num futuro não muito distante, o
Sol está morrendo: sua luminosidade,
a quantidade de energia que gera por
segundo, está diminuindo, ameaçando a sobrevivência dos seres humanos
e de toda a vida na Terra. Se nada for
feito, nosso planeta se transformará
num mundo gelado e destituído de vida. Uma missão internacional, Icarus
I, foi enviada em direção ao Sol.
Seu objetivo: detonar uma gigantesca bomba termonuclear ("maior do
que Manhattan") no interior do Sol
para reacendê-lo. Feito quando usamos um fósforo para reacender a lareira, só que em escala astrofísica. Icarus I falha misteriosamente e Icarus
II, a missão que vemos no filme com
seus oito tripulantes, é a última esperança da humanidade.
Se eles falharem, nós e tudo o que
construímos irá perecer, esquecido na
imensidão do tempo.
Visualmente, o filme é muito belo.
O uso das imagens solares, revelando
a fornalha que é nosso astro-rei, é inspirado. A influência plástica e temática da obra prima de Stanley Kubrick,
"2001", é forte e bem óbvia. Alguns clichês diminuem um pouco o efeito do
filme. Não conto para não estragar a
experiência do leitor. Mas como cientista, doeu ver certas coisas. Dessas eu
posso tratar.
Começando com a insistência do
uso de som no espaço. Sei que sem
som não tem tanta graça, mas algo deve ser feito para corrigir isso: sem ar,
sem atmosfera, não existe som. Explosões ocorrem em silêncio, mesmo que
catastróficas. Será que o show de luz
não é suficiente para impressionar a
audiência? Mas bem mais séria é a
premissa do filme.
O Sol não irá esfriar. Ao contrário,
irá esquentar gradualmente. O leitor
não precisa se preocupar, pois o processo é muito lento: em um bilhão de
anos, sua luminosidade aumentará
em aproximadamente 10%, com conseqüências terríveis para a Terra que
se transformará numa bola incandescente, sem atmosfera ou oceanos.
Esse aquecimento é devido ao que
ocorre no centro do Sol: a energia que
lhe dá estabilidade contra sua própria
gravidade é gerada através da fusão de
seu elemento mais comum, o hidrogênio, no elemento químico hélio.
O processo de fusão nuclear necessita de energias e pressões gigantescas, ocorrendo apenas quando a temperatura no interior do Sol atinge 15
milhões de graus. Finalmente, o hidrogênio acaba e o Sol entra em crise.
Mesmo que o Sol estivesse esfriando,
detonar uma bomba atrapalharia ainda mais, pois diminuiria a densidade
de hidrogênio no seu interior. Mas como disse semana passada, vale a pena
ignorar (mas não esquecer) isso e ver
o filme. Não se esqueça dos óculos escuros e loção de bronzear!
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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