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Micro/Macro
Vendo o cosmo com olhos de gigante
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Em 1609, o grande cientista italiano
Galileu Galilei apontou pela primeira
vez um telescópio para os céus. E o que
ele observou transformou profundamente a visão de mundo prevalente em
sua época, que dizia ser a Terra, e não o
Sol, o centro do cosmo então conhecido.
Nos últimos 393 anos, telescópios cada
vez mais potentes continuaram a transformar a nossa visão de mundo. Hoje sabemos que o Sol é apenas uma estrela entre centenas de bilhões de outras que fazem parte da Via Láctea, uma imensa galáxia espiral com aproximadamente 100
mil anos-luz de diâmetro.
Sabemos também que a Via Láctea é
apenas uma galáxia entre centenas de bilhões de outras, cada uma delas com milhões ou bilhões de estrelas. E que essas
galáxias estão se afastando umas das outras, carregadas pela expansão do Universo. Sabemos que essa expansão iniciou-se há cerca de 14 bilhões de anos,
em um evento chamado Big Bang.
Os telescópios modernos não se limitam apenas a captar a luz visível das estrelas ou galáxias distantes. Eles também
captam formas de radiação que são invisíveis aos nossos olhos, como a infravermelha, a ultravioleta, os raios X etc. Com
isso, os astrônomos podem "ver" muitos
fenômenos que são invisíveis a olho nu.
Para que a potência de um telescópio
seja aumentada, ele tem de captar uma
maior quantidade de luz (ou radiação).
Isso é feito por meio de um espelho ligeiramente curvo (ou lente, mas os espelhos
vêm predominando). Quanto maior o
espelho, maior a potência do telescópio,
isto é, mais luz ele poderá captar.
Assim, uma fonte muito distante, que
jamais foi vista antes, poderá ser vista
com telescópios maiores. O próprio Galileu testemunhou isso, ao averiguar que
existem muito mais estrelas no céu do
que as que percebemos a olho nu.
Hoje, o maior telescópio óptico (que
capta luz visível) do mundo se encontra
no Chile, fazendo parte dos instrumentos do ESO (Observatório Europeu do
Sul). O gigante consiste em quatro espelhos, cada um com 8,2 metros de diâmetro. Outro enorme é o telescópio Keck,
no Havaí, com dois espelhos de dez metros cada.
Esses telescópios múltiplos usam seus
vários espelhos para amplificar a quantidade de luz captada e, consequentemente, a resolução de suas imagens. Se os planos atuais de vários grupos nos EUA e na
Europa forem adiante, e o mais provável
é que isso ocorra, dentro de dez anos os
gigantes de hoje serão brinquedos de
criança. E também alvos de uma acirrada
competição entre a astronomia americana e a européia.
A agência espacial norte-americana, a
Nasa, pretende lançar em 2010 o sucessor do Telescópio Espacial Hubble, que
vem fornecendo imagens espetaculares
de estrelas nascendo, de um cometa colidindo com Júpiter, de galáxias tão distantes que a sua luz viajou por 10 bilhões
de anos antes de chegar até nós, entre outras. Como a velocidade da luz é finita,
ver fontes mais distantes significa ver o
Universo em seu passado, numa verdadeira máquina do tempo cósmica.
Com o sucessor do Hubble e seu espelho de oito metros orbitando a Terra, os
astrônomos serão capazes de estudar o
Universo na época em que as galáxias estavam nascendo.
Aqui na Terra, astrônomos nos EUA
propuseram um telescópio de 30 metros,
enquanto os europeus contra-atacaram
com dois projetos, um de 50 metros
(chamado Euro50) e o enorme OWL (do
inglês "Overwhelmingly Large Telescope", ou Telescópio Absurdamente Grande), da ESA (a agência espacial européia), com cem metros.
Esses telescópios são tão grandes que
seus espelhos têm de ser segmentados
em espelhos menores, cada um deles
controlado individualmente por computador. O OWL, por exemplo, terá de ser
segmentado em 1.600 pedaços, o que representa um grande desafio técnico para
os cientistas da ESA.
Um dos objetivos mais interessantes
dos telescópios gigantes é a busca por vida extraterrestre em planetas orbitando
estrelas distantes. Ao passar em frente à
estrela, o planeta e sua atmosfera bloqueiam parte de sua luz.
Mas ver um planeta passando em frente a uma estrela a 50 anos-luz de distância é equivalente a ver uma mosca passar
em frente a um farol de carro a uma distância de um quilômetro.
Comparando a luz da estrela com e
sem o planeta é possível deduzir a composição química da atmosfera do último.
A presença de certas substâncias, como
metano, vapor d'água e ozônio, é indicativo de uma possível atividade biológica
no planeta. Para saber onde pode existir
vida extraterrestre, basta olhar com
olhos de gigante.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (Estados Unidos),
e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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