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NANOTECNOLOGIA
Cientistas japoneses usam biomoléculas para encapsular materiais na escala de milionésimos de milímetro
Técnica imita a vida para criar "nanocaixa"
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Projetar embalagens para CDs e
fitas cassete é uma tarefa complexa (a julgar pelos resultados), mas
construir cápsulas para uma dúzia de átomos é muito pior. Após
anos de soluções problemáticas,
um grupo de pesquisadores japoneses decidiu seguir 3 bilhões de
anos de experiência da natureza e
usar proteínas, obtendo os melhores resultados já vistos no encapsulamento de nanopartículas.
Esse procedimento pode parecer inútil à primeira vista, mas, segundo os cientistas, é muito importante: com o encapsulamento,
é possível evitar que as nanopartículas soltas se aglomerem, perdendo justamente as propriedades que as tornam especiais, em
razão do seu tamanho.
A nanotecnologia envolve manipulação e uso de processos e sistemas na escala nanométrica
(medida em milionésimos de milímetro). É nessas dimensões que
os átomos e as moléculas costumam interagir.
No experimento, os pesquisadores se apropriaram de proteínas fabricadas por dois microrganismos, a famosa Escherichia coli
(um dos organismos-modelo dos
biólogos) e a bactéria Thermus
thermophilus.
As proteínas usadas, chamadas
chaperoninas, têm diversas funções em células vivas, como ajudar na montagem (enovelamento) de outras proteínas e organizar a formação dos microtúbulos
(estruturas que servem como rodovias dentro da célula para o
transporte de nutrientes e lixo).
Seu nome vem de "chaperone",
que em inglês significa algo como
"acompanhante" -uma maneira de assinalar sua condição de
auxiliar de outras proteínas.
Eficiência de 75%
No experimento japonês, sua
função foi bem simples: a de um
caixote. A equipe de Takuzo Aida,
da Universidade de Tóquio, conseguiu uma taxa de encapsulamento de partículas de CdS (sulfeto de cádmio) nas chaperoninas
de até 75%. Cada bolinha de CdS
tinha diâmetro de 2 a 4 nanômetros (milionésimos de milímetro).
"Hoje em dia, com os métodos
usuais, se você conseguir um rendimento de 50%, pode considerar
muito bom", diz Edson Leite, pesquisador que trabalha com nanoparticulados na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
Essas técnicas tradicionais de
encapsulamento envolvem o uso
de polímeros (moléculas feitas a
partir de uma longa cadeia repetitiva contendo carbono) ou a manipulação das nanopartículas a
partir de cargas elétricas, mas não
imitam nada da biologia.
Já os resultados com proteínas
fabricadas por organismos foram
excelentes. O grupo de Aida não
só conseguiu capturar as partículas de CdS como também promoveu sua liberação de forma controlada, dando às chaperoninas
uma dose de ATP (molécula que
atua como a "moeda" energética
no interior da célula).
"É um excelente exemplo de
biomimética, ou seja, copiar o que
acontece num organismo vivo
com a finalidade de estender a
funcionalidade de componentes
feitos pelo homem", diz Hércules
Neves, pesquisador brasileiro que
atualmente trabalha na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). "Essas são ferramentas que, ao serem dominadas, nos
abrirão uma série de novas possibilidades. Só o tempo dirá o que é
possível fazer com elas."
"É o encontro da nanotecnologia com a biotecnologia", afirma
Leite. "Estamos numa área muito
interdisciplinar, e essa nova pesquisa abre um filão."
Uso milenar
Embora as aplicações dessa nova área da ciência e da tecnologia
estejam emergindo só nos últimos anos, o uso de nanopartículas é milenar, diz Neves. "O "negro-de-fumo", em inglês "carbon
black", vem sendo usado há milhares de anos como pigmento."
"Entretanto, em grande parte
das aplicações é importante fazer
com que as nanopartículas não se
aglutinem, pois isso faria com que
perdessem algumas de suas propriedades", argumenta Neves.
O trabalho de Aida e seus colegas oferece justamente uma forma de evitar a aglutinação, além
de criar uma interface compatível
com aplicações da nanotecnologia não só em engenharia de materiais como em células vivas.
Versatilidade
Os nanoparticulados são mesmo versáteis, afirma Neves. "Aplicações recentes vão desde a produção de filtros solares na indústria de cosméticos até o tratamento de câncer", diz. "Mais precisamente, no combate ao câncer,
uma das técnicas que têm se destacado é a hipertemia assistida
por nanopartículas."
Esse método envolve a injeção
de um conjunto de nanopartículas que é absorvido seletivamente
pelos tecidos cancerosos. Ao aplicar um campo eletromagnético
externo ao paciente, essas partículas se aquecem -ficam tipicamente entre 41C e 46C- e reforçam o efeito de tratamentos
por radioterapia e quimioterapia.
"Com isso, o tratamento é mais
localizado e possibilita redução
nas doses de radiação", diz Neves.
No estudo japonês, publicado
na última edição da revista "Nature" (www.nature.com), o material particulado foi o CdS, mas, segundo Neves, "ele é aplicável a
outros tipos de nanopartícula".
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