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ANTROPOLOGIA
Grupo brasileiro diz que primeiros habitantes do continente chegaram há 21 mil anos, numa só migração
DNA recua data de ocupação da América
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um novo estudo brasileiro está
contestando as teorias mais consagradas sobre a origem do homem no continente americano.
Com base no DNA de nove tribos
sul-americanas, ele diz que os ancestrais dos índios de hoje deixaram a Ásia há 21 mil anos, não há
cerca de 13 mil, como muitos arqueólogos crêem. E vieram numa
única grande leva migratória, não
em várias, como se supõe.
As evidências, publicadas no
"The American Journal of Human Genetics" (www.journals.uchicago.edu/AJHG) e divulgadas pela revista "Pesquisa Fapesp", batem de frente com o registro cultural e fóssil da presença
humana no continente. Até hoje,
não há prova conclusiva da presença humana na América mais
antiga que 12.500 anos, idade de
artefatos descobertos na década
de 70 no sul do Chile.
O mais antigo fóssil humano do
continente, uma mulher apelidada Luzia e achada em Lagoa Santa
(Minas Gerais) em 1975, tem pouco menos que isso, 11.500 anos. O
antropólogo Walter Neves, da
USP, celebrizou Luzia graças à
análise que revelou nela traços parecidos com os de africanos e australianos modernos, sugerindo
que os primeiros americanos não
tinham o mesmo tipo físico dos
índios de hoje -o que supõe pelo
menos duas grandes migrações
para o continente.
"O nosso trabalho pode não invalidar totalmente a idéia de mais
de uma onda migratória", diz
Sandro Bonatto, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio
Grande do Sul. "Mas ele mostra
quando começou o processo e
que essa primeira onda foi, de
longe, a mais importante."
Para estimar quando surgiram
os primeiros americanos, a pesquisa, coordenada por Marco Antonio Zago, da USP de Ribeirão
Preto (interior de São Paulo),
usou um tipo de material genético
quase onipresente nos estudos sobre populações.
Trata-se do DNA presente nas
mitocôndrias, pequenos órgãos
que existem no meio celular e têm
genes próprios. A grande vantagem de usar esse DNA é que ele
escapa da mistura genética que
ocorre na a fecundação.
A única possibilidade de haver
uma modificação nesse DNA é
quando uma mutação acontece.
Os cientistas têm uma idéia muito
boa da taxa em que isso ocorre
-o que faz do DNA mitocondrial
um cronômetro molecular.
Na análise entrou o material genético de 30 índios, pertencentes a
etnias brasileiras (entre elas os
guaranis e os caiapós) e uma peruana, os quéchuas. Para Bonatto,
o uso exclusivo de DNA sul-americano não atrapalha os resultados. "A gente sabe que não há diferença significativa entre índios
da América do Norte e do Sul."
Os pesquisadores tomaram
quatro linhagens bem marcadas
de DNA mitocondrial -chamadas de A, B, C e D e presentes em
todas as etnias indígenas- e estimaram quando elas poderiam ter
se separado a partir de um ancestral comum, ao mesmo tempo em
que as comparavam com amostras de outras regiões do planeta.
Para Bonatto, a data estimada
de 21 mil anos é consistente. "Para
conseguir uma análise confiável
de DNA mitocondrial é preciso
satisfazer algumas exigências estatísticas, como a pouca diversidade inicial e, depois, uma expansão populacional forte. E nesse caso nós temos essas condições."
O difícil é saber onde Luzia entraria nessa história, mas Bonatto
está otimista. Segundo ele, é possível que a população da Ásia na
época da migração tivesse traços
mongolóides (o padrão atual)
menos acentuados. Somente depois eles teriam aparecido, paralelamente, nos dois continentes.
Para Neves, porém, o DNA mitocondrial é muito pequeno para
ser significativo. "Não perco o sono por causa disso." Para ele, a
aparição paralela de traços semelhantes aqui e na Ásia é improvável. "As forças seletivas teriam de ter sido parecidas demais".
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