São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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ANTROPOLOGIA

Grupo brasileiro diz que primeiros habitantes do continente chegaram há 21 mil anos, numa só migração

DNA recua data de ocupação da América

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um novo estudo brasileiro está contestando as teorias mais consagradas sobre a origem do homem no continente americano. Com base no DNA de nove tribos sul-americanas, ele diz que os ancestrais dos índios de hoje deixaram a Ásia há 21 mil anos, não há cerca de 13 mil, como muitos arqueólogos crêem. E vieram numa única grande leva migratória, não em várias, como se supõe.
As evidências, publicadas no "The American Journal of Human Genetics" (www.journals.uchicago.edu/AJHG) e divulgadas pela revista "Pesquisa Fapesp", batem de frente com o registro cultural e fóssil da presença humana no continente. Até hoje, não há prova conclusiva da presença humana na América mais antiga que 12.500 anos, idade de artefatos descobertos na década de 70 no sul do Chile.
O mais antigo fóssil humano do continente, uma mulher apelidada Luzia e achada em Lagoa Santa (Minas Gerais) em 1975, tem pouco menos que isso, 11.500 anos. O antropólogo Walter Neves, da USP, celebrizou Luzia graças à análise que revelou nela traços parecidos com os de africanos e australianos modernos, sugerindo que os primeiros americanos não tinham o mesmo tipo físico dos índios de hoje -o que supõe pelo menos duas grandes migrações para o continente.
"O nosso trabalho pode não invalidar totalmente a idéia de mais de uma onda migratória", diz Sandro Bonatto, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul. "Mas ele mostra quando começou o processo e que essa primeira onda foi, de longe, a mais importante."
Para estimar quando surgiram os primeiros americanos, a pesquisa, coordenada por Marco Antonio Zago, da USP de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), usou um tipo de material genético quase onipresente nos estudos sobre populações.
Trata-se do DNA presente nas mitocôndrias, pequenos órgãos que existem no meio celular e têm genes próprios. A grande vantagem de usar esse DNA é que ele escapa da mistura genética que ocorre na a fecundação.
A única possibilidade de haver uma modificação nesse DNA é quando uma mutação acontece. Os cientistas têm uma idéia muito boa da taxa em que isso ocorre -o que faz do DNA mitocondrial um cronômetro molecular.
Na análise entrou o material genético de 30 índios, pertencentes a etnias brasileiras (entre elas os guaranis e os caiapós) e uma peruana, os quéchuas. Para Bonatto, o uso exclusivo de DNA sul-americano não atrapalha os resultados. "A gente sabe que não há diferença significativa entre índios da América do Norte e do Sul."
Os pesquisadores tomaram quatro linhagens bem marcadas de DNA mitocondrial -chamadas de A, B, C e D e presentes em todas as etnias indígenas- e estimaram quando elas poderiam ter se separado a partir de um ancestral comum, ao mesmo tempo em que as comparavam com amostras de outras regiões do planeta.
Para Bonatto, a data estimada de 21 mil anos é consistente. "Para conseguir uma análise confiável de DNA mitocondrial é preciso satisfazer algumas exigências estatísticas, como a pouca diversidade inicial e, depois, uma expansão populacional forte. E nesse caso nós temos essas condições."
O difícil é saber onde Luzia entraria nessa história, mas Bonatto está otimista. Segundo ele, é possível que a população da Ásia na época da migração tivesse traços mongolóides (o padrão atual) menos acentuados. Somente depois eles teriam aparecido, paralelamente, nos dois continentes.
Para Neves, porém, o DNA mitocondrial é muito pequeno para ser significativo. "Não perco o sono por causa disso." Para ele, a aparição paralela de traços semelhantes aqui e na Ásia é improvável. "As forças seletivas teriam de ter sido parecidas demais".



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