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MEDICINA
Cientistas americanos associam mutações no DNA das organelas produtoras de energia ao surgimento da doença
Falha em usina celular levaria a Alzheimer
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando se concluiu a soletração
do genoma humano, muito se falou do potencial do conhecimento recém-adquirido na busca pela
cura de doenças hoje intratáveis,
como o mal de Alzheimer. Agora,
pelo menos no caso dessa doença
neurodegenerativa, um trio de
cientistas nos EUA diz que estivemos o tempo todo prestando
atenção ao DNA errado.
Para Douglas Wallace, da Universidade da Califórnia em Irvine,
e seus colegas Pinar Coskun e
Flint Beal, da Universidade Cornell, em Nova York, a causa do
mal da Alzheimer não está no material genético do núcleo celular,
alvo principal do Projeto Genoma
Humano, mas sim no DNA das
mitocôndrias -as fábricas de
energia da célula.
Em um estudo recém-publicado no periódico científico
"PNAS" (www.pnas.org), da
Academia Nacional de Ciências
americana, os pesquisadores
mostram que uma série de mutações no DNA mitocondrial aparece em pacientes diagnosticados
com mal de Alzheimer, mas não
ocorre em pessoas sadias.
Eles acreditam que os resultados mostram um elo até então
pouco explorado entre a funcionalidade das mitocôndrias e a
ocorrência da doença.
O mal de Alzheimer, que se manifesta em pessoas idosas -geralmente após os 65 anos- primeiro na forma de problemas de
memória e avança até a demência
e a morte, é normalmente associado à formação, no cérebro, de
placas de uma substância chamada beta-amilóide. Essa correlação
fez com que muitos pesquisadores fossem buscar a causa da
doença em defeitos genéticos na
produção dessa proteína.
"De fato, foi encontrada uma
correlação com uma mutação
num gene ligado à beta-amilóide
que ocorre em 5% dos casos de
Alzheimer", diz Wallace. "Mas
achamos que nossa pesquisa com
DNA mitocondrial pode responder pelos outros 95%."
As mitocôndrias são responsáveis pela respiração celular -o
processamento de oxigênio para
produzir calor e energia para a célula. Só que, nesse processo, ela
também produz substâncias altamente reativas, os chamados radicais livres. "Esses radicais acabam lesando o DNA da mitocôndria", explica o neurologista Cícero Galli Coimbra, da Unifesp
(Universidade Federal de São
Paulo). Com o tempo, essas lesões
-mutações nas "letras" genéticas que compõem as instruções
para o bom funcionamento da
mitocôndria- acabam por inutilizar a usina de força celular.
"A mitocôndria carrega dentro
de si mesma a semente para sua
destruição", diz Wallace. Ele acredita que o processo esteja intimamente ligado não só ao mal de Alzheimer, mas a muitas das doenças que parecem ter um "gatilho"
ligado à idade. Coimbra concorda. "Mutações no DNA mitocondrial têm sido relatadas em todas
as doenças degenerativas, como
mal de Parkinson e diabetes."
Mais do que o elo com Alzheimer, essa ligação com uma variada gama de doenças torna a pesquisa atraente para os americanos. Eles no momento estão desenvolvendo e testando uma série
de medicamentos, destinados a
tratar esse problema da degeneração do DNA mitocondrial.
"Estamos experimentando com
animais um conjunto de substâncias que teriam como objetivo a
proteção do DNA da mitocôndria
contra os radicais livres", diz Wallace, que afirma já ter realizado
testes promissores com vermes e
camundongos.
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