São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2004

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Pesquisa americana contesta a eficiência de xaropes contra tosse

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Xarope é bom para a tosse? Pode ser que não. É isso o que sugere uma pesquisa feita nos Estados Unidos. O estudo, publicado neste mês na revista médica "Pediatrics" (pediatrics.aappublications.org), sugere que duas substâncias comumente utilizadas em xaropes comerciais contra a tosse, a difenidramina e o dextrometorfano, são tão eficientes quanto água com açúcar.
O grupo comandado pelo pediatra Ian Paul, da Universidade do Estado da Pensilvânia (nordeste dos EUA), fez no ambulatório da universidade uma pesquisa com cem pacientes com tosse e idades entre 2 e 18 anos. Paul e sua equipe ministraram a 33 dos pacientes a difenidramina, a outros 33 o dextrometorfano e a 34 um placebo (nome dado por cientistas a qualquer substância inócua).
Os resultados foram obtidos por meio de um questionário ao qual os pais tiveram de responder nos dois dias seguintes à entrada dos filhos no hospital. O questionário inquiria, entre outras coisas, sobre mudanças na freqüência e na severidade da tosse e na capacidade das crianças de dormir.
O resultado foi, no mínimo, inusitado: a tosse foi diminuída nos três tratamentos, mas sem diferença significativa entre eles. Em alguns quesitos, como no caso da freqüência da tosse, o placebo se saiu ainda melhor que os dois componentes de xarope.
"O estudo traz uma conclusão: se for para ministrar esses medicamentos, é melhor simplesmente não dar nada e deixar a criança o mais confortável possível", disse o americano Paul à Folha. "Na verdade, substâncias como essas já despertam suspeita há muito tempo. Os antitussígenos [remédios de combate à tosse] não são endossados por muitas associações de pediatria no mundo", diz.

Falhas subjetivas
No entanto, o pediatra reconhece que a pesquisa, por estar baseada em questionários sobre a opinião dos pais, tem lá seus problemas. "Como qualquer estudo baseado em fatores subjetivos, este também tem suas falhas. Mas, se fosse feito de outra maneira, creio que verificaríamos algo que muitos no mundo já perceberam: as crianças não estão tossindo menos tomando essas substâncias. Estão ainda se expondo aos riscos dos efeitos colaterais."
Os médicos brasileiros parecem concordar com a opinião de Paul. Clóvis Eduardo Tadeu Gomes, chefe da disciplina de Especialidades Pediátricas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que há muito tempo a administração de difenidramina, dextrometorfano e outros antitussígenos é contestada na medicina.
"Não é novidade. A comunidade já vê com reservas a ação dessas substâncias há bastante tempo. Os níveis de eficiência são muito baixos. Principalmente nos casos em que se trata de crianças, não recomendo seu uso por causa de possíveis efeitos colaterais."
Para o pediatra brasileiro, os medicamentos acabam sendo receitados para agradar aos pais das crianças. "Esses remédios contra tosse são receitados para deixar os pais mais tranqüilos", diz.
Paul diz, porém, que um boicote a xaropes em geral ainda é algo exagerado. "Deve-se deixar claro que nem todo medicamento que contém as substâncias é ineficaz, até porque eles aparecem normalmente em associação com outras classes de substâncias, como os broncodilatadores", afirma.


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