|
Próximo Texto | Índice
Brasil descumpre meta para ambiente
Não há mais tempo para honrar promessas que país assumiu em acordo internacional para 2010, dizem especialistas
Criação de unidades de conservação e combate ao desmatamento têm taxas abaixo das previstas para a convenção da diversidade
Marlene Bergamo/Folha Imagem
|
|
Araucária isolada sobrevive em fazenda no Paraná, em área devastada de mata atlântica; governo federal tinha prometido desmate zero no bioma em questão
AFRA BALAZINA
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil está aquém das metas de preservação da biodiversidade que assumiu para 2010
dentro da CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica), o
mais importante acordo internacional para gestão da fauna e
da flora do planeta. Em vigor
desde dezembro de 1993, o tratado entra agora numa fase crítica sob o risco de virar uma peça de ficção, por culpa do Brasil
e de outros países signatários.
No ano que vem, em Nagoya
(Japão), os membros da convenção terão de mostrar se fizeram a lição de casa. Um dos indicadores para saber se a CDB
vem sendo seguida nas nações
que assinaram o texto é o conjunto de metas que cada uma
delas definiu para si.
O Brasil apresentou suas metas em 2006. Duas delas são até ambiciosas -zerar o desmatamento
da mata atlântica e reduzir em
75% o desmate amazônico-,
mas não serão cumpridas. O
país provavelmente será cobrado pelo cumprimento daquilo
que foi colocado no papel.
Vexame global
"A internalização da CDB
aqui no Brasil foi extremamente mal conduzida pelo governo", disse à Folha o botânico
Carlos Joly, professor da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas). Segundo ele,
que acompanha as políticas para a biodiversidade há décadas,
o país não vai atingir as promessas de 2006. "O meu medo
é que a gente chegue a Nagoya
sem condição de dizer quanto
realmente o país deixou de
cumprir as metas."
Charles Clement, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia), diz
que a CDB "não teve efeito desejado nem na Amazônia, nem
no Brasil, nem no mundo". Segundo ele, esse quadro se delineou desde o encontro de Joanesburgo, em 2002, apelidado
de Rio+10 (em alusão ao encontro de 1992 no Brasil).
"Desde então, a taxa de extinção continua a aumentar e
os benefícios econômicos esperados não aparecem em uma
velocidade apropriada para
frear esse processo", diz.
Segundo Joly, nem mesmo
os cientistas conseguiram produzir os dados que gostariam,
atrasados por entraves burocráticos. "Não há pesquisa, basicamente, porque ninguém
consegue as licenças para as
coletas na mata", diz Joly.
O diretor de conservação da
biodiversidade do MMA (Ministério do Meio Ambiente),
Braulio Dias prefere enxergar
as metas com uma abordagem
alternativa. "Elas devem ser
vistas como uma primeira etapa de um longo processo de
mudança de paradigmas, de como as sociedades e os governos
usam a biodiversidade", diz.
"Na COP 10 [sigla que designa a
próxima reunião da CDB] deveremos aprovar um novo plano estratégico da convenção
com metas para 2020 e 2050",
afirma Dias, do MMA.
Fabio Scarano, diretor-científico do Jardim Botânico do
Rio de Janeiro, uma instituição
federal, diz que parte da lição
de casa está sendo feita. "A primeira lista de espécies de plantas do Brasil, que terá mais de
40 mil nomes, ficará pronta em
dezembro, dez meses antes de
Nagoya", afirma.
Segundo Scarano, outro documento importante -o livro
vermelho de espécies ameaçadas de extinção da flora brasileira- ainda não está pronto,
mas deve ser concluído até a
próxima reunião da CDB.
Outras metas do Brasil na
convenção -como redução do
desmatamento e combate a espécies invasoras- não serão
atingidas. O ritmo de criação de
unidades de conservação florestal teve um aumento substancial, mas também ficará
abaixo da meta. "Neste campo,
dava para ter avançado um
pouco mais", diz Joly.
Repartição de benefícios
O receio de que as metas da
CDB pudessem não ser cumpridas existia desde quando o
acordo nasceu, na Rio-92, reunião patrocinada pela ONU no
Rio de Janeiro há 17 anos. A intenção do documento, que passou a vigorar em 1993, era criar
um marco diplomático para
ajudar a preservar a biodiversidade global, mas pouca coisa foi
feita como o documento previa.
O grande gargalo das discussões hoje é a repartição dos benefícios pelo uso dos conhecimentos de índios e comunidades tradicionais. Sem o desfecho desse nó -algo que pode
ocorrer na próxima reunião da
convenção, em outubro de
2010- a contribuição real do
documento será quase nula, dizem os especialistas no tema.
Próximo Texto: Outro lado: "Mundo inteiro" falhou, afirma ministério Índice
|