São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2000


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Periscópio

Alga formada por duas

José Reis
especial para a Folha

Pesquisadores canadenses do Instituto de Ciências Marinhas de Halifax, na Nova Escócia, demonstraram em artigo publicado na revista "Nature" (350, 148) que cada alga unicelular do gênero Cryptomonas na verdade resulta da fusão de dois organismos, um dos quais englobou o outro ao longo da evolução.
A equipe que realizou o estudo foi dirigida por Susan Douglas. O englobamento de uma célula por outra, formando uma unidade, não é novidade e, no caso de Cryptomonas, já fora previsto por Sally Gibbs, da McGill University, há dez anos, mas só agora surgiu a confirmação.
É hoje corrente em biologia, após haver sido muito contestada inicialmente, a noção de que certas organelas celulares, como mitocôndrias e cloroplastos, são remanescentes de células que em tempos idos foram ingeridas por célula mais desenvolvida. Dá-se a esta o nome de hospedeira e o de endossimbiontes às organelas que outrora teriam sido livres.
Há porém uma diferença entre os dois fenômenos, ressalta Roger Lewin, na "New Scientist". Na célula comum o hospedeiro é eucarionte, isto é, possui núcleo bem definido no qual se encontra organizado o material genético, ao passo que em Cryptomonas tanto o hospedeiro quanto a célula englobada são eucariontes. Por isso, a alga possui, ao lado do núcleo normal, uma estrutura, o nucleomorfo, que parece um núcleo afilado.
Além dessa peculiaridade, os cloroplastos de Cryptomonas possuem dois pigmentos fotossintéticos diferentes. O nucleomorfo, descrito há 25 anos, contém DNA e RNA (ácidos nucléicos que participam da transmissão dos fatores genéticos), como o núcleo normal. Não existe entretanto prova completa, mas apenas suspeita, de que o nucleomorfo seja resíduo do núcleo da célula eucarionte que teria sido absorvida pela que hoje é a Cryptomonas.
Para suas experiências, o grupo canadense valeu-se da reação em cadeia da polimerase (PCR), que tem a capacidade de replicar ao infinito minúsculos fragmentos do DNA específico da alga, assim permitindo a obtenção de material suficiente para pesquisa.
Douglas e colaboradores fizeram então o sequenciamento de um gene ribossômico. Os ribossomos são organelas sintetizadoras. Sequenciamento é a identificação dos ácidos animados do DNA, na ordem em que se encontram. Ao contrário do que geralmente ocorre, os pesquisadores descobriram que a Cryptomonas possui, em vez de um, dois genes do tipo sequenciado. Um deles é do tipo que normalmente se encontra no grupo fotossintético que abrange certas algas verdes e plantas terrestres. O outro é semelhante ao gene ribossômico das algas vermelhas, grupo mais primitivo.
O primeiro gene provém do núcleo de Cryptomonas e o segundo deve originar-se do nucleomorfo, de acordo com a versão de Douglas, para quem a história da alga abrange dois fatos evolucionários. No primeiro, um hospedeiro eucarionte teria incorporado uma célula procarionte (sem núcleo definido e com material genético difuso) fotossintética, resultando da união uma alga vermelha primitiva. Na segunda fase, a alga vermelha teria sido incorporada a um hospedeiro eucarionte diferente, dando como resultado a atual Cryptomonas.


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