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BIOTECNOLOGIA
Fungo geneticamente modificado para decantar automaticamente pode reduzir custo de etanol em 50%
Nova levedura acelera produção de álcool
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Uma levedura geneticamente
modificada, mas não transgênica
(pois os seus próprios genes é que
foram alterados), promete reduzir em até 50% os custos da produção de álcool no Brasil. O projeto, desenvolvido por pesquisadores da Unicamp, faz com que esses organismos fermentadores
ajam de maneira "inteligente" e
parem de funcionar automaticamente, o que otimiza a produção.
A levedura, tipo de fungo de
uma célula só, é utilizada em larga
escala na indústria sucroalcooleira. Ela realiza, por meio de processos bioquímicos, a transformação do açúcar em álcool comum (etanol), num processo conhecido como fermentação.
O manejo desses organismos na
produção é um velho problema
da indústria, já que os métodos
hoje existentes de remoção desses
fungos da dorna (recipiente onde
é realizada a fermentação) são
problemáticos: pode-se esperar a
decantação natural das leveduras,
mas, como isso leva horas, essa
permanência excessiva acaba gerando substâncias indesejadas,
como os aldeídos, que dão a conhecida dor de cabeça em quem
bebe cachaça de má qualidade.
O uso de centrífugas para acelerar o processo, também bastante
utilizado, pode acabar rompendo
as células dos fungos, liberando
substâncias tóxicas na mistura.
Para resolver esse problema, a
equipe do geneticista Gonçalo
Amarante Guimarães Pereira, 39,
do Instituto de Biologia da Unicamp, desenvolveu leveduras geneticamente modificadas, que
percebem quando o açúcar acaba
na mistura da dorna e decantam
rapidamente. Assim, enquanto há
matéria-prima, o organismo trabalha para gerar álcool. Quando
ela acaba, o fungo automaticamente fica inativo.
"Isso traz uma redução de custo
e de complexidade para o processo de fabricação de álcool. Quando nosso método estiver plenamente adaptado para a indústria,
esperamos uma redução de custo
entre 40% e 50%", diz Pereira.
Gatilho
Para chegar à levedura, o pesquisador e sua equipe se utilizaram de genes que já existiam no
próprio microorganismo. Um gene, conhecido como FLO1, já era
capaz de realizar a floculação
(processo que junta várias células
e acelera a decantação) do fungo
através da associação de uma proteína a uma molécula chamada
manose, que fica na superfície da
célula.
Só faltava aos pesquisadores um
mecanismo genético que desencadeasse a floculação na hora certa. Para isso, o grupo identificou
um promotor -espécie de "gatilho genético"- para outro gene,
chamado álcool desidrogenase.
Originalmente na levedura, o
"gatilho" desencadeava, na ausência de açúcar, a transformação
do álcool em um aldeído. Ou seja,
justamente o que os pesquisadores queriam evitar. A partir daí,
foi matar dois coelhos com uma
cajadada só: ao utilizar o gatilho
de um gene indesejado para disparar um processo desejado, os
cientistas desenvolveram um elegante mecanismo de biotecnologia que diminui de oito para duas
horas o tempo de decantação do
fungo e acelera a produção.
"E tudo isso acontece com genes
do próprio fungo. Nossa levedura
não é transgênica. Só mudamos
os genes de lugar", diz Pereira.
Desafios
Ainda restam alguns desafios
para a equipe de Pereira. Além de
adaptações para produção industrial, falta um mecanismo de reversibilidade, ou seja, um meio de
fazer as leveduras se desvencillharem umas das outras quando o
açúcar volta a ser alimentado. A
etapa é útil para a produção de álcool combustível, que costuma
reaproveitar as leveduras, ao contrário da indústria de bebidas.
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