São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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O CONQUISTADOR DE MARTE

Luciana Whitaker/Folha Imagem
O físico Paulo de Souza Júnior, no Observatório NacionaL em São Cristóvão, Rio de Janeiro


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Paulo Antônio de Souza Júnior passou a infância perambulando pelo Brasil. Mas jamais pensou que suas viagens um dia o levariam até Marte. Aconteceu, e o físico rompeu as barreiras da academia, onde já vinha se sagrando com publicações freqüentes em revistas de alto impacto, como "Nature" e "Science", para virar um cientista "pop-star".
"Cientista pop-star é uma boa...", ele diz, aos risos. "Na verdade, foi uma surpresa, especialmente no Espírito Santo. As pessoas me reconheciam na rua, paravam, pediam autógrafo, tiravam fotos. Isso tem sido bacana, especialmente porque quem mais me procura são os jovens. É bom que eles vejam a ciência como uma carreira promissora."
O caminho até as praias marcianas de Meridiani Planum foi longo. Nascido em Campo Grande (Mato Grosso do Sul) em 1971, ele passou uma infância em trânsito. Morou em São Paulo, Minas Gerais, Brasília, até se estabelecer em Vitória, Espírito Santo. A família acompanhava as andanças do pai, que era militar. Souza Júnior estudou praticamente todos os anos da sua vida (à exceção da 4ª Série do 1º Grau e da 3ª Série do 2º Grau) em escolas públicas, fato que ele hoje usa para motivar os jovens que sonham com o sucesso numa futura carreira científica.
Iniciou então o curso de engenharia elétrica na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo). Ao chegar ao quarto ano, decidiu largar, para se voltar para a física. "Não me bastava fazer coisas que funcionavam, eu queria descobrir por que elas funcionavam", explica Souza Júnior. "No quarto ano, eu tive um professor, Garg (era o nome de família), e ele acabou me influenciando. Não pelo que dizia -na verdade ele recomendava que eu terminasse a engenharia-, mas pelo trabalho que ele fazia como pesquisador."
Largou, para fazer o curso de física, na mesma Ufes, onde fez o mestrado, com tese defendida em janeiro de 2000. Trabalhando com corrosão atmosférica, partiu para um doutorado na Alemanha no mês seguinte. No Instituto Max Planck em Meinz, um grupo o aguardava. "Eles já haviam desenvolvido um equipamento para a missão Mars Pathfinder [enviada a Marte em 1996], um pequeno analisador químico que foi colocado no jipezinho Sojourner."
A Souza Júnior coube participar do desenvolvimento de um novo aparelho, um miniespectrômetro Mossbauer, para futuras missões espaciais. "Eu, na verdade, não estava muito interessado em Marte -é claro que me interessava-, mas eu queria mais era aplicar esse equipamento na Terra."
E foi o que aconteceu. O espectrômetro podia ser útil para uma série de pesquisas bem terrenas. Ainda na Alemanha, Souza Júnior pôde dar uma de arqueólogo, analisando pinturas de vasos gregos e outros artefatos da Antigüidade. "Resolvemos vários problemas de arqueologia. Uma vez, numa construção de um estacionamento de prédio em Meinz, descobriram restos de máscaras de guerra em meio a outros artefatos. Podia-se ver uma orelha num pedaço, um olho em outro, mas era impossível distinguir todas as peças na mão e remontá-la."
Eis que entrou em campo a tecnologia do espectrômetro. "Analisando os pedaços, só tocando-os, sem destruí-los, pudemos determinar a "assinatura" típica da máscara e separar as peças que pertenciam ao conjunto. Ela foi remontada e está hoje exposta no Museu de Berlim."
Souza Júnior também aplicou a tecnologia em problemas brasileiros. Ao voltar ao país, para trabalhar na Companhia Vale do Rio Doce em Vitória, usou os espectrômetros para analisar poluição atmosférica e apontar sua origem a partir da "assinatura" química dos particulados.
Na Vale, Souza Júnior foi contratado como pesquisador em 2002, para trabalhar no Centro de Pesquisa de Minerais Ferrosos. E quando a Nasa lançou os jipes Spirit e Opportunity para Marte com espectrômetros desenvolvidos pela equipe do Max Planck, o brasileiro foi convidado a participar da missão. Foi o que o empurrou ao estrelato -e à exaustão.
"Não é fácil trabalhar no horário de Marte", relembra, ao falar do tempo em que passou no JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa) analisando os dados vindos dos jipes marcianos. Passou bons meses transitando entre o Brasil e os EUA, na fase mais aguda do projeto, em 2004. Agora diz com convicção: "Depois de trabalhar no horário marciano, trabalho em qualquer lugar".
E Souza Júnior é um andarilho da ciência. Embora continue trabalhando na Vale, agora está no Rio de Janeiro, onde atua em outra área: mudança climática. "Estamos neste momento fazendo um inventário de emissões [de gases causadores do efeito estufa] da companhia. Começamos em janeiro, devemos terminar em dezembro", revela.
As andanças, seja pela vida de cientista, seja pelo trabalho na Vale, não atrapalham a vida pessoal. O pesquisador é casado há sete anos e tem uma filha de seis. "A Júlia, minha filha, sempre me acompanha nas palestras que dou, me ajuda."
Sendo um dos raros casos brasileiros de um cientista que se sente completamente realizado trabalhando na iniciativa privada, Souza Júnior não se arrepende de suas escolhas profissionais. "A academia não me faz falta. Aqui eu publico, e publico muito. Claro, tem coisas que não se pode publicar. Mas eu não teria podido participar da missão da Nasa se não fosse pela Vale", diz o pesquisador, destacando que pesquisa científica e interesses privados podem, em muitos casos, andar juntos e se beneficiar mutuamente. "Há uma lei americana que impede a Nasa de financiar pesquisadores estrangeiros. Se eu não estivesse na Vale, talvez a Agência Espacial Brasileira tivesse vindo ao meu auxílio, mas com o mesmo esquema de privação de recursos com que sofrem outros pesquisadores", explica. "Ocorre apenas que estamos num país que não tem essa tradição na parceria entre ciência e negócios."


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