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+ Marcelo Gleiser
Um ano de possibilidades
Por frações de segundo, o LHC reconstruirá a infância do Universo
Das partículas elementares da
matéria e da carne transgênica
às galáxias mais distantes, este
promete ser um ano de surpresas em
várias áreas da ciência.
Em meados de 2007, entra em funcionamento na Suíça o instrumento
mais poderoso já construído, o acelerador de partículas conhecido como
LHC, do inglês "Large Hadron Collider" (Grande Colisor de Hádrons).
Com uma circunferência de 27 quilômetros, o LHC tem como missão principal desvendar um dos maiores mistérios da ciência, a origem da massa.
Durante o século 20, ficou claro que
a matéria é composta de átomos e estes, por sua vez, de três partículas: elétrons, prótons e nêutrons. Das três,
apenas os elétrons são partículas
"fundamentais"; prótons e nêutrons
são compostos de partículas menores,
os quarks. Um dos objetivos da física
de partículas é descobrir os tijolos
fundamentais da matéria, o grupo de
partículas que formam as outras.
Para ser fundamental, a partícula
tem de ser indivisível. Até o momento,
físicos determinaram que existem 12
partículas fundamentais da matéria,
seis quarks e seis léptons, dos quais o
elétron é o mais conhecido. Em colisões a altíssimas energias, pode-se determinar existência, massa e carga
elétrica dessas partículas. Em 1995,
cientistas do mundo inteiro (inclusive
do Brasil) trabalhando no Fermilab,
um acelerador de partículas americano, determinaram a massa do quark
mais pesado, o top, como sendo 171
vezes maior do que a de um próton. Já
o elétron tem massa 2.000 vezes menor do que a de um próton. O que não
é entendido é a razão para tal disparidade entre as massas.
O LHC promete desvendar o mistério. Ao menos assim esperam os físicos. Colisões no coração do acelerador
terão energias aproximadamente 20
mil vezes maiores do que as das reações nucleares no interior do Sol. Apenas no Universo primordial, menos de
um trilionésimo de segundo após o
"bang" que marcou o início da expansão cósmica, tais energias existiram.
Por frações de segundo, o LHC reconstruirá a infância do Universo.
Por falar em infância do Universo,
em outubro de 2006 finalmente ficou
decidido que o telescópio espacial
Hubble será mesmo consertado. Após
acirrado debate e ultraje popular, em
2008 uma missão do ônibus espacial
deverá voar até o Hubble para instalar
dois novos instrumentos e trocar suas
baterias e giroscópios. A outra opção,
enviar robôs para fazer o reparo, foi
descartada. O "Cosmic Origins Spectrograph" (Espectrógrafo das Origens
Cósmicas), um dos novos instrumentos, explorará o nascimento de galáxias, estrelas e planetas, fornecendo,
entre outras coisas, informação sobre
como o ferro, o carbono e outros elementos fundamentais para a vida apareceram durante a infância do Universo e foram subsequentemente distribuídos pelo espaço interestelar. Essa
missão deve manter o Hubble funcionando até 2013.
Na semana passada, a FDA (Agência
de Alimentos e Medicamentos dos
EUA) aprovou a carne de gado clonada para consumo humano. A reação
popular não foi positiva: as pessoas
vêem qualquer tipo de interferência
humana na genética animal com maus
olhos. Porém, carne de animais clonados é muito diferente de vegetais
transgênicos, cujo impacto no ecossistema deve ser monitorado cuidadosamente. O clone é um gêmeo que nasceu mais tarde, idêntico ao original;
sua carne é inofensiva.
Em ciência, assim como nas artes,
aquilo que é novo encanta e espanta.
Ao celebrarmos o início de mais um
ano, devemos também celebrar a criatividade dos cientistas que, por meio
de seu trabalho, ampliam a nossa visão do cosmo e da vida.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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