São Paulo, Domingo, 07 de Fevereiro de 1999
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Uma pesquisa completa

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

É muito provável que Carlos Chagas não tenha ganho o Nobel devido à inveja e à intriga de outros brasileiros. Mas o tempo fez justiça a ele e colocou seus detratores no esquecimento, especialmente o misto de escritor, médico e político, Afrânio Peixoto.
Chagas descobriu uma doença que afeta hoje 18 milhões de pessoas na América Latina. Seus sucessores constituem um dos grupos mais dinâmicos da pesquisa no país.
Peixoto, apesar de sua carreira de medalhão -membro da Academia Brasileira de Letras, diretor de hospital, reitor de universidade, deputado federal-, quando muito é lembrado em livros de história da literatura como um "escritor menor", um "epígono" (um banalizador de uma corrente literária).
Questionado se havia algum brasileiro que poderia ter merecido ganhar o prêmio mais importante da ciência, o pesquisador e jornalista José Reis, colunista da Folha, respondeu rapidamente, em uma entrevista em 1990: "Um é o Carlos Chagas, que fez uma das maiores descobertas científicas do mundo. Uma das mais completas: descobriu a doença, o parasita e o transmissor".
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a doença de Chagas mate 45 mil pessoas a cada ano. É portanto uma área de pesquisa relevante.

Atraso na pesquisa
A recusa em reconhecer a doença e começar seu estudo, graças aos detratores de Carlos Chagas, causou alguns anos de atraso não só na pesquisa científica, como também nas medidas sociais de controle do problema. O combate ao vetor, o inseto barbeiro, continua sendo hoje a melhor maneira de evitar a disseminação.
O protozoário causador da doença é um alvo difícil. Há drogas em uso para tratar a etapa inicial da doença, mas não há terapia para a fase crônica. Cerca de 30% dos doentes apresentam complicações cardíacas. O parasita também afeta o fígado, o baço e a pele.
A Federação das Sociedades de Biologia Experimental realiza todo ano em Caxambu (MG) uma concorrida reunião internacional sobre os avanços na pesquisa.
Quando a equipe liderada por Júlio Urbina, do Instituto Venezuelano de Investigações Científicas, de Caracas, descobriu uma terapia promissora para o mal de Chagas, a pesquisa foi relatada na revista norte-americana "Science", uma das mais importantes do planeta. Mas, antes disso, ele já havia comunicado resultados preliminares para seus colegas da área na reunião de Caxambu.
Até os ônibus espaciais americanos já foram recrutados para o estudo da doença. Glaucius Oliva, do Instituto de Física de São Carlos, da USP (Universidade de São Paulo), enviou ao espaço cristais de proteínas do parasita. No ambiente espacial, os cristais crescem melhor, tornando mais fácil a identificação de sua estrutura molecular.
Em compensação, a obra de Afrânio Peixoto hoje só é lida por poucos. Comentando algumas de suas tentativas literárias, Alfredo Bosi, autor do clássico "História Concisa da Literatura Brasileira", foi taxativo: "A verdade é que nunca ultrapassaram os lugares-comuns do provincianismo cultural de festejado acadêmico".


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