|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Uma pesquisa completa
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
É muito provável que Carlos
Chagas não tenha ganho o Nobel
devido à inveja e à intriga de outros brasileiros. Mas o tempo fez
justiça a ele e colocou seus detratores no esquecimento, especialmente o misto de escritor, médico
e político, Afrânio Peixoto.
Chagas descobriu uma doença
que afeta hoje 18 milhões de pessoas na América Latina. Seus sucessores constituem um dos grupos mais dinâmicos da pesquisa
no país.
Peixoto, apesar de sua carreira
de medalhão -membro da Academia Brasileira de Letras, diretor
de hospital, reitor de universidade, deputado federal-, quando
muito é lembrado em livros de
história da literatura como um
"escritor menor", um "epígono" (um banalizador de uma corrente literária).
Questionado se havia algum brasileiro que poderia ter merecido
ganhar o prêmio mais importante
da ciência, o pesquisador e jornalista José Reis, colunista da Folha,
respondeu rapidamente, em uma
entrevista em 1990: "Um é o Carlos Chagas, que fez uma das maiores descobertas científicas do
mundo. Uma das mais completas:
descobriu a doença, o parasita e o
transmissor".
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a doença de
Chagas mate 45 mil pessoas a cada
ano. É portanto uma área de pesquisa relevante.
Atraso na pesquisa
A recusa em reconhecer a doença e começar seu estudo, graças
aos detratores de Carlos Chagas,
causou alguns anos de atraso não
só na pesquisa científica, como
também nas medidas sociais de
controle do problema. O combate
ao vetor, o inseto barbeiro, continua sendo hoje a melhor maneira
de evitar a disseminação.
O protozoário causador da
doença é um alvo difícil. Há drogas em uso para tratar a etapa inicial da doença, mas não há terapia
para a fase crônica. Cerca de 30%
dos doentes apresentam complicações cardíacas. O parasita também afeta o fígado, o baço e a pele.
A Federação das Sociedades de
Biologia Experimental realiza todo ano em Caxambu (MG) uma
concorrida reunião internacional
sobre os avanços na pesquisa.
Quando a equipe liderada por
Júlio Urbina, do Instituto Venezuelano de Investigações Científicas, de Caracas, descobriu uma terapia promissora para o mal de
Chagas, a pesquisa foi relatada na
revista norte-americana "Science", uma das mais importantes do
planeta. Mas, antes disso, ele já havia comunicado resultados preliminares para seus colegas da área
na reunião de Caxambu.
Até os ônibus espaciais americanos já foram recrutados para o estudo da doença. Glaucius Oliva,
do Instituto de Física de São Carlos, da USP (Universidade de São
Paulo), enviou ao espaço cristais
de proteínas do parasita. No ambiente espacial, os cristais crescem
melhor, tornando mais fácil a
identificação de sua estrutura molecular.
Em compensação, a obra de
Afrânio Peixoto hoje só é lida por
poucos. Comentando algumas de
suas tentativas literárias, Alfredo
Bosi, autor do clássico "História
Concisa da Literatura Brasileira",
foi taxativo: "A verdade é que
nunca ultrapassaram os lugares-comuns do provincianismo
cultural de festejado acadêmico".
Texto Anterior: Ciência - Marília Coutinho: O Nobel perdido Próximo Texto: Doença afeta 18 países Índice
|