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Micro/Macro
As dimensões do espaço e a unificação das forças
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Em 1919, o matemático alemão Theodor Kaluza teve uma grande inspiração. Segundo conta seu filho, Kaluza,
após horas fazendo cálculos em seu escritório, deu um tapa na mesa, assobiou
bem alto e saiu correndo para mergulhar
no lago em frente à sua casa. O filho também conta que Kaluza era um teórico
não só em ciência, mas na vida também:
para aprender a nadar, leu um livro. E
parece que deu certo, já que não se afogou no lago durante a sua celebração.
Três anos antes, em 1916, Einstein
apresentara a sua nova teoria da gravidade, segundo a qual a atração gravitacional entre dois corpos maciços pode ser
interpretada como devida à curvatura do
espaço em torno deles. Para corpos com
massas pequenas comparadas ao Sol, a
antiga teoria de Newton, em que gravidade é uma força caindo com o inverso
do quadrado da distância, valia: a curvatura existe, mas é pequena. A teoria de
Einstein reformulou o pensamento físico
da época. A força gravitacional passou a
ser interpretada geometricamente, e a
geometria do espaço em torno de um
corpo poderia ser determinada conhecendo-se sua massa e distribuição no espaço, seja ele uma esfera (estrelas) ou
forma menos simétrica.
A grande inspiração de Kaluza foi tentar incorporar a única outra força conhecida na época, a força eletromagnética,
dentro de uma formulação geométrica.
Para tal, ele sugeriu algo completamente
novo: porque não aumentar o número
de dimensões do espaço de três para
quatro? Ele mostrou que, em um espaço
com quatro dimensões, é possível representar geometricamente tanto a gravidade quanto o eletromagnetismo: o que,
nesse universo de cinco dimensões (quatro para o espaço e uma para o tempo),
seria percebido como uma única força,
em nossa realidade física tridimensional
seria percebido como duas. Ou seja, Kaluza propôs uma unificação geométrica
da gravidade e do eletromagnetismo em
cinco dimensões.
O que levanta uma questão interessante: a nossa percepção física da realidade
pode nos dar a impressão de que a natureza é deselegante, assimétrica, quando
na verdade não é. Se pudéssemos inventar um "óculos multidimensional", capaz de enxergar a realidade em cinco dimensões, veríamos um mundo muito
mais simples e unificado. Infelizmente,
esses óculos não existem. Mas existe a
matemática, que nos permite "ver" em
qualquer número de dimensões.
Einstein não gostou da idéia de Kaluza.
Após resistir a ela por um bom tempo,
acabou aceitando-a, provavelmente como uma curiosidade matemática. Ele
preferiu buscar a unificação das duas
forças nas três dimensões normais e passou décadas tentando, sem obter um resultado satisfatório. E, mesmo que o tivesse obtido, a teoria seria incompleta: já
nos anos 40, sabia-se que duas outras
forças existiam no interior do núcleo
atômico. Portanto, uma teoria realmente
unificada deveria incorporar todas as
quatro forças fundamentais da natureza.
A questão era como fazê-lo.
Nos anos 80, surgiu a fascinante teoria
das supercordas. Até então, acreditava-se que as entidades fundamentais da matéria eram partículas indivisíveis. Exemplos familiares incluem o elétron e os
quarks, as partículas que compõem os
prótons e nêutrons.
Os defensores das supercordas propõem uma revisão disso: as entidades
fundamentais da matéria são pequenos
objetos vibrantes. Tal qual uma corda de
violão, que pode vibrar de vários modos
produzindo notas diferentes, as supercordas também podem vibrar de modos
diferentes, produzindo as várias partículas elementares.
E também as partículas que transmitem as forças entre as partículas elementares, como o fóton, responsável pela força eletromagnética entre duas partículas
carregadas. Ou seja, as supercordas seriam a teoria de tudo, já que explicariam
não só as partículas de matéria, mas também suas interações, a partir das quatro
forças fundamentais.
O detalhe é que essas teorias existem
em um espaço multidimensional. Os números variam entre 10 (9 espaciais) e 11.
A inspiração de Kaluza permanece muito viva. O desafio é mostrar que as teorias
não são apenas uma elegante curiosidade matemática, mas que correspondem
à realidade física. O debate, acirrado,
continua em aberto.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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