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Mosquitos contra tartarugas
Pesquisa descobre que inseto típico
da região
de Galápagos
se alimenta
com o sangue
de répteis
RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Charles Darwin já foi
jovem um dia. Mas
faz bastante tempo,
foi em 1835. Com 26
anos, visitou um arquipélago perdido no meio do
Pacífico, a mil quilômetros da
costa equatoriana: Galápagos.
Encontrou lá as maiores tartarugas do mundo. São mais
pesadas do que você -podem
ter 300 quilos. Daria para servir o almoço sobre elas.
Que não sirva de exemplo: o
garotão Darwin ainda subiu
numa. Ela não se importou
muito e seguiu andando. Aparentemente, ele resolveu cavalgar nas costas do bicho - ainda
bem, porque não é legal imaginar Darwin surfando nele.
Enquanto não se equilibrava
em tartarugas, encontrou também iguanas. Não subiu nelas,
mas puxou o rabo de uma ou
outra. As iguanas de Galápagos
são a única espécie de lagarto
que gosta de ficar no mar. É um
lagartão: mais de um metro.
Mas muito tempo antes de
Darwin pisar em Galápagos e
começar a fazer história, a região tinha um exemplo gritante
do curso da evolução, que começa a ser desvendado agora.
Pesquisadores ingleses descobriram que um mosquito
que vive na região aprendeu a
sobreviver sugando sangue de
répteis, como as grandes tartarugas e as iguanas.
Os cientistas analisaram o
sangue que os Aedes taeniorhynchus de Galápagos tinham sorvido. Resultado: mais
da metade era sangue de réptil.
Normalmente, insetos se alimentam apenas de mamíferos
e aves. Mas, antes da chegada
do homem no local, há menos
de 200 anos (o arquipélago foi
descoberto há menos de 500),
as ilhas tinham poucos mamíferos. A pressão por alimento,
portanto, é que deve ter forjado
a preferência dos mosquitos
pelos répteis.
Sangue da iguana
É a primeira vez que se tem
notícia de que esse tipo específico de mosquito se alimenta de
sangue de iguanas e afins.
"Achávamos que talvez se alimentassem com pássaros", diz
Simon Goodman, biólogo da
Universidade de Leeds.
A análise do genoma dos pequenos insetos mostrou que
eles não chegaram ao arquipélago com Darwin, nem muito
menos com os primeiros colonizadores das ilhas. Os bichos
são da velha guarda. Estão lá há
200 mil anos.
Sem mosquito no avião
Mas ser picado por um mosquito não faz mal a ninguém,
nem a uma tartaruga ou uma
iguana, certo?
Nem tanto. Mosquitos transmitem doenças. Nada impede
que elas cheguem com os turistas, cada vez mais abundantes.
Em 2006, chegaram a Galápagos 150 mil pessoas (imagine se
todo mundo resolve dar uma de
cowboy numa tartaruga).
Uma das coisas que impressionaram Darwin era que os
animais do arquipélago não
aparentavam ter medo de humanos, mesmo quando eles resolviam puxar seus rabos.
Como os humanos só chegaram recentemente, as espécies
viveram por muito tempo sem
conviver com pessoas. Por isso,
não desenvolveram um medo
instintivo delas - isso leva bem
mais do que 500 anos.
Da mesma maneira, a fauna
de Galápagos também não está
acostumada com as doenças do
resto do mundo. O ciclo que
preocupa os cientistas é muito
fácil de imaginar. Um ser humano com malária vai visitar a
ilha. Ele é picado. Em seguida,
esse mesmo mosquito resolve
se alimentar com sangue de
iguana. Como o protozoário da
malária sobrevive em répteis,
eis uma doença que pode, por
exemplo, dizimar certas populações de Galápagos.
Outro exemplo mapeado pelos pesquisadores foi o vírus do
Nilo Ocidental, também transmitido por meio da picada de
insetos. Ele poderia também
matar parte da fauna. O vírus
infecta, além de répteis, mamíferos e aves.
Inseticida nesses mosquitos,
então? Não, nem pensar.
"Não deveríamos pensar em
acabar com os mosquitos. Eles
são parte do ecossistema de Galápagos. Por isso, têm tanto valor quanto o resto da biodiversidade de lá", diz Goodman.
O que fazer então? "Principalmente ter uma forte quarentena e um controle dos insetos nos aviões e navios que vão
para lá. É muito melhor tentar
evitar que as doenças cheguem
do que tentar arrumar a bagunça depois. Quando uma doença
entra num ecossistema é muito
difícil erradicá-la".
O governo do Equador tenta
fazer algum controle nos aviões
que chegam ao arquipélago.
Mas não nos navios.
Separados no nascimento
Os pesquisadores pretendem
continuar estudando os mosquitos. Querem saber como
eles surgiram em Galápagos.
Também tentam entender
qual a sua relação com os Aedes
taeniorhynchus que vivem no
continente, inclusive no Brasil.
Eles acreditam que os mosquitos de lá e de cá podem não
ser mais a mesma espécie.
Galápagos, portanto, é ainda
um laboratório natural, que,
destruído, deixará de abrigar o
curso da evolução.
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