São Paulo, domingo, 07 de junho de 2009

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Mosquitos contra tartarugas

Pesquisa descobre que inseto típico da região de Galápagos se alimenta com o sangue de répteis

RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Charles Darwin já foi jovem um dia. Mas faz bastante tempo, foi em 1835. Com 26 anos, visitou um arquipélago perdido no meio do Pacífico, a mil quilômetros da costa equatoriana: Galápagos.
Encontrou lá as maiores tartarugas do mundo. São mais pesadas do que você -podem ter 300 quilos. Daria para servir o almoço sobre elas.
Que não sirva de exemplo: o garotão Darwin ainda subiu numa. Ela não se importou muito e seguiu andando. Aparentemente, ele resolveu cavalgar nas costas do bicho - ainda bem, porque não é legal imaginar Darwin surfando nele.
Enquanto não se equilibrava em tartarugas, encontrou também iguanas. Não subiu nelas, mas puxou o rabo de uma ou outra. As iguanas de Galápagos são a única espécie de lagarto que gosta de ficar no mar. É um lagartão: mais de um metro.
Mas muito tempo antes de Darwin pisar em Galápagos e começar a fazer história, a região tinha um exemplo gritante do curso da evolução, que começa a ser desvendado agora.
Pesquisadores ingleses descobriram que um mosquito que vive na região aprendeu a sobreviver sugando sangue de répteis, como as grandes tartarugas e as iguanas.
Os cientistas analisaram o sangue que os Aedes taeniorhynchus de Galápagos tinham sorvido. Resultado: mais da metade era sangue de réptil.
Normalmente, insetos se alimentam apenas de mamíferos e aves. Mas, antes da chegada do homem no local, há menos de 200 anos (o arquipélago foi descoberto há menos de 500), as ilhas tinham poucos mamíferos. A pressão por alimento, portanto, é que deve ter forjado a preferência dos mosquitos pelos répteis.

Sangue da iguana
É a primeira vez que se tem notícia de que esse tipo específico de mosquito se alimenta de sangue de iguanas e afins. "Achávamos que talvez se alimentassem com pássaros", diz Simon Goodman, biólogo da Universidade de Leeds.
A análise do genoma dos pequenos insetos mostrou que eles não chegaram ao arquipélago com Darwin, nem muito menos com os primeiros colonizadores das ilhas. Os bichos são da velha guarda. Estão lá há 200 mil anos.

Sem mosquito no avião
Mas ser picado por um mosquito não faz mal a ninguém, nem a uma tartaruga ou uma iguana, certo?
Nem tanto. Mosquitos transmitem doenças. Nada impede que elas cheguem com os turistas, cada vez mais abundantes. Em 2006, chegaram a Galápagos 150 mil pessoas (imagine se todo mundo resolve dar uma de cowboy numa tartaruga).
Uma das coisas que impressionaram Darwin era que os animais do arquipélago não aparentavam ter medo de humanos, mesmo quando eles resolviam puxar seus rabos.
Como os humanos só chegaram recentemente, as espécies viveram por muito tempo sem conviver com pessoas. Por isso, não desenvolveram um medo instintivo delas - isso leva bem mais do que 500 anos.
Da mesma maneira, a fauna de Galápagos também não está acostumada com as doenças do resto do mundo. O ciclo que preocupa os cientistas é muito fácil de imaginar. Um ser humano com malária vai visitar a ilha. Ele é picado. Em seguida, esse mesmo mosquito resolve se alimentar com sangue de iguana. Como o protozoário da malária sobrevive em répteis, eis uma doença que pode, por exemplo, dizimar certas populações de Galápagos.
Outro exemplo mapeado pelos pesquisadores foi o vírus do Nilo Ocidental, também transmitido por meio da picada de insetos. Ele poderia também matar parte da fauna. O vírus infecta, além de répteis, mamíferos e aves.
Inseticida nesses mosquitos, então? Não, nem pensar.
"Não deveríamos pensar em acabar com os mosquitos. Eles são parte do ecossistema de Galápagos. Por isso, têm tanto valor quanto o resto da biodiversidade de lá", diz Goodman.
O que fazer então? "Principalmente ter uma forte quarentena e um controle dos insetos nos aviões e navios que vão para lá. É muito melhor tentar evitar que as doenças cheguem do que tentar arrumar a bagunça depois. Quando uma doença entra num ecossistema é muito difícil erradicá-la".
O governo do Equador tenta fazer algum controle nos aviões que chegam ao arquipélago. Mas não nos navios.

Separados no nascimento
Os pesquisadores pretendem continuar estudando os mosquitos. Querem saber como eles surgiram em Galápagos.
Também tentam entender qual a sua relação com os Aedes taeniorhynchus que vivem no continente, inclusive no Brasil.
Eles acreditam que os mosquitos de lá e de cá podem não ser mais a mesma espécie.
Galápagos, portanto, é ainda um laboratório natural, que, destruído, deixará de abrigar o curso da evolução.


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