São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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FUTURO

Artéria pré-fabricada



Vasos sanguíneos criados para pontes de safena se adaptam ao organismo depois de implantados
MARCELO FERRONI
Editor-assistente de Ciência

O uso de artérias dos próprios pacientes para corrigir problemas de circulação, como as pontes de safena no coração, nem sempre é possível. Algumas pessoas simplesmente não têm artérias saudáveis para o reimplante, seja devido a alguma doença, seja porque as artérias já foram usadas em outras cirurgias.
Para contornar o problema, há três décadas os pesquisadores procuram por uma solução artificial: vasos sanguíneos fabricados a partir de materiais sintéticos, como polietilenos.
No entanto, as pesquisas por vasos "de plástico" ainda não conseguiram ser bem-sucedidas quando seu diâmetro precisa ser menor do que 5 mm.
Nesses casos, os vasos entopem com muita facilidade devido à coagulação sanguínea.
Um novo estudo norte-americano pode ter encontrado uma solução intermediária: vasos biossintéticos, ou seja, fabricados com componentes "artificiais", mas que usam trechos de tecidos animais (veja quadro ao lado).
Até o momento, os pesquisadores, em sua maioria da empresa de biotecnologia Oncogenesis, dos EUA, testaram os novos vasos em coelhos.
Dezoito animais receberam os transplantes. Depois de 28 dias, os vasos foram sendo retirados gradativamente: um grupo após o primeiro prazo, outro após 53 dias e o último, após três meses.
A análise dos vasos biossintéticos pelos pesquisadores, liderados por Susan Sullivan, indicou que houve uma adaptação do material ao organismo dos coelhos.
"Depois de três meses", escreveram eles na edição deste mês da revista "Nature Biotechnology", "os implantes foram remodelados em vasos celularizados".
Ou seja, ao redor dos vasos houve a formação de células vasculares dos coelhos. A adaptação fez com que os implantes praticamente se transformassem em vasos naturais. "Como resultado dessa infiltração celular, as paredes dos vasos ficaram mais espessas, mas nenhuma mudança interna foi constatada", indicaram.
Antes de serem mortos (os coelhos foram devidamente anestesiados antes de receber barbitúricos), os animais passaram por testes físicos para que a atuação dos vasos biossintéticos fosse avaliada. Além disso, durante o tempo em que estiveram implantados, os vasos não sofreram rejeição pelo organismo.
O método é também mais eficaz do que outra abordagem na área, a construção de vasos naturais "in vitro", ou seja, em laboratório.
"Essa é a primeira demonstração de um vaso que foi implantado e, em seguida, remodelado "in vivo". Até onde sabemos, também, esse é o implante de biomateriais que durou mais tempo até agora", disse Sullivan, em entrevista por e-mail à Folha.
No entanto, segundo ela, testes em humanos ainda estão muito distantes. "Depois que tivermos certeza de que o implante é eficiente em pequenos animais, ainda deveremos testá-lo em animais maiores por muitos anos."
"O maior desafio que nos resta agora é determinar como esse método funciona a longo prazo", completou a pesquisadora.

Fortalecimento de veias
A criação de vasos sanguíneos não é a única abordagem nesse campo. Outro estudo, noticiado em 8 de outubro pela rede britânica BBC, mas só divulgado no dia 30 por uma revista especializada, procura fortalecer as veias do próprio paciente.
A BBC chamou o processo de "efeito Schwarzenegger". Nele, as veias do paciente -menos resistentes que artérias e, por isso, menos aconselháveis para pontes de safena- são fortalecidas por meio de terapia genética.
Com a adição de novos genes que modificam sua estrutura, elas também se tornam candidatas para cirurgias de ponte de safena.
O estudo, publicado na revista"The Lancet", foi realizado por Michael Mann, Victor Dzau e colaboradores, do Hospital de Mulheres Brigham, em Boston, EUA.
A técnica foi usada em veias entupidas na perna, em um estudo com 20 pacientes. Em 16 deles, o implante foi bem-sucedido.


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