UOL


São Paulo, sexta-feira, 07 de novembro de 2003

Próximo Texto | Índice

ASTROBIOLOGIA

Análise química de rochas da região de Atacama, Chile, explica sinais obtidos por sondas Viking em Marte

Deserto terrestre descarta vida marciana

JPL/Nasa
Chryse Planitia, Marte, vista do módulo de pouso da Viking-1


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O deserto do Atacama, no Chile, pode jogar alguma luz sobre o mistério de polêmicos sinais obtidos por duas sondas enviadas a Marte em 1976, que indicaram atividade bacteriana no planeta vermelho. Segundo uma nova pesquisa, tudo não passou de um falso positivo, como já desconfiava a maioria dos cientistas.
O estudo, publicado hoje na revista americana "Science" (www. sciencemag.org), descreve uma região desértica terrestre que apresenta características muito similares às encontradas quase três décadas atrás pelos módulos de pouso das naves Viking-1 e 2, em Marte. Partindo disso, o grupo de cientistas, composto por pesquisadores da Nasa, da Universidade Nacional Autônoma do México e da Universidade de Antofagasta, no Chile, decidiu usar os solos terrestres para ver se reagiriam de forma análoga à dos marcianos.
As amostras de solo do Atacama, previamente caracterizadas como secas e biologicamente pobres, quando combinadas a um caldo nutritivo, apresentaram reação similar à observada em amostras marcianas -qual seja, o consumo das moléculas orgânicas e a liberação de gás carbônico.
Embora a priori o resultado pareça ser um sinal inequívoco de metabolismo biológico, o grupo liderado por Christopher McKay, do Centro de Pesquisa Ames, da Nasa, constatou que a resposta na verdade é puramente química, sem ação de formas de vida. Ao que tudo indica, o solo ressecado adquire propriedades oxidantes, o que consome material orgânico da solução nutritiva e promove a resposta observada.
"Esses resultados apontam que o material da superfície marciana testado pela Viking era quimicamente reativo e aparentemente livre de vida e compostos orgânicos", diz Richard Quinn, do Ames e do Seti Institute, um dos autores da pesquisa. "No centro do Atacama e de Marte, a extrema aridez, combinada com a radiação solar, pode resultar na formação de ciclos químicos que decompõem compostos orgânicos e inibem a vida. É essa similaridade que faz de Atacama um interessante análogo de Marte", afirma.

Controvérsia
Embora a comunidade científica em geral já tenha aceitado a presença de oxidantes marcianos, em vez de bactérias, para explicar os resultados da Viking, o mesmo não se pode dizer do criador do experimento que obteve o polêmico resultado em Marte. Desde 1976 Gil Levin tem sido uma voz solitária entre os pesquisadores, insistindo que seu teste, chamado LR (Labelled Release, ou "liberação etiquetada"), em verdade detectou vida no planeta vermelho.
Segundo ele, nenhum experimento, tampouco o reportado hoje na "Science", conseguiu reproduzir ou explicar o que foi visto em Marte. E ele enxerga sérios problemas com o último.
"Os autores, três dos quais eu conheço pessoalmente e estão totalmente familiarizados com minhas numerosas e recentes publicações sobre o assunto, manipulam o leitor ao omitir referências que contradizem suas abordagens e conclusões. Eles mostram uma estratégia meio amadora, fortemente enviesada com relação à técnica microbiológica, ao uso de controles apropriados e à interpretação dos resultados, numa tentativa de encobrir, em vez de discutir objetivamente, os resultados do experimento LR."
Ao ser informado pela Folha da publicação do novo estudo, Levin decidiu estender os protestos à revista "Science". "Fui surpreendido ao ficar sabendo do artigo", ele escreveu ao editor-chefe da publicação, Donald Kennedy.
"Primeiro, senti que deveria ter sido chamado para fazer a revisão do artigo, já que ele foi provocado pelo meu experimento de detecção de vida da missão Viking. Segundo, estou incomodado com a revisão relaxada que aparentemente foi conduzida. Isso faz forte contraste com a recepção dos meus manuscritos à "Science", que foram considerados de interesse específico demais, até mesmo para serem submetidos a revisão!"
Com respeito aos estudos de Levin mencionados, Quinn não tem muito a dizer: "Eu não conheço ninguém na comunidade de pesquisa científica sobre Marte que concorde com a interpretação dele dos resultados do LR".

Segunda chance
Há anos Levin advoga pelo envio de uma nova versão do LR, aumentada, para confirmar ou refutar suas conclusões a respeito do experimento das Vikings. Para ele, a Nasa tem feito corpo mole.
"Ninguém jamais sugeriu que o LR do dr. Levin não fosse um experimento excelente", justifica James Garvin, cientista-chefe do Programa de Exploração de Marte da agência espacial americana. "Mas numa ciência limitada pelo orçamento, não é comum o caso de experimentos que são relançados e relançados. A Nasa encoraja o dr. Levin a propor seu experimento para o Mars Science Laboratory [missão para 2009, cuja instrumentação ainda não está definida] e a permitir que seus pares científicos julguem se um novo experimento LR oferece o maior valor científico à missão."
Curiosamente, a despeito dos resultados no Atacama, é exatamente o que McKay e Quinn pretendem fazer. "Embora nossos novos instrumentos não sejam experimentos de detecção de vida, ambos incorporam técnicas que estudam processos quirais [os mesmos que compõem a versão ampliada do LR]", diz Quinn.


Próximo Texto: Biotecnologia: ONU adia debate sobre clonagem por 2 anos
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.