São Paulo, quarta-feira, 08 de janeiro de 2003

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POLÍTICA CIENTÍFICA

Para Roberto Amaral, é necessário descentralizar a produção e os recursos do eixo Rio-São Paulo

Ministro pretende "nacionalizar a ciência"

23.dez.2002 - Alan Marques/Folha Imagem
Roberto Amaral no hotel Blue Tree, em Brasília, durante o anúncio do ministério do governo Lula


CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral (PSB), disse ontem que é preciso "nacionalizar a ciência" no Brasil. Para ele, os recursos para a área estão concentrados no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que condena Estados do Nordeste e do Sul a não se desenvolverem cientificamente.
Para mudar a situação, o MCT estuda a criação de cursos de universidades do Sudeste em outras regiões do país. "Eles [os pesquisadores] teriam o mesmo nível de formação que teriam no Rio e em São Paulo, mas poderiam se fixar na sua região", afirmou.
O cientista político Amaral, 62, teve resistências da comunidade científica à indicação de seu nome para o MCT, por não ser da área, e quase causou uma pequena crise política ao defender o desenvolvimento de tecnologia nuclear.
Em entrevista à Folha, ele negou que tenha defendido que o país desenvolva tecnologia de construção de bombas atômicas, mas defendeu a não menos polêmica construção da usina nuclear de Angra 3. "Não posso ter uma visão preconceituosa de nada."
Amaral, que está desde sábado se recuperando de uma pneumonia no Hospital das Forças Armadas, em Brasília, também confirmou o nome do pesquisador Wagner Souza, do Instituto de Biofísica do Rio de Janeiro -ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Rio na gestão de Anthony Garotinho- para o cargo de secretário-executivo do MCT.
 

Folha - A sua indicação como titular da pasta de Ciência e Tecnologia foi recebida pelo sr. mesmo com surpresa e com resistência da comunidade científica. Sendo de fora da área, como o sr. pretende trabalhar para dirimir essa resistência?
Roberto Amaral -
Desconheço resistências. Eu não estou preocupado com isso. Minha preocupação é cumprir a missão que eu recebi do Presidente da República, que foi desenvolver ciência e tecnologia no Brasil. Nós fizemos alguns avanços na área científica e estamos muito atrasados na área tecnológica, precisamos investir muito nessa área.
Nós precisamos nacionalizar a ciência no Brasil. A ciência não é um projeto nacional. É um projeto que está preso a Rio e São Paulo. Para Rio e São Paulo são carreados 80% dos recursos do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico].

Folha - Como isso seria feito, com um ministério que tem verbas contingenciadas?
Amaral -
O problema é mais de política. Hoje os mestres e doutores saem do Nordeste e do Sul para fazer mestrado e doutorado no Rio e em São Paulo. E não voltam mais. Terminam ficando nesses centros. Então, os centros desenvolvidos continuarão desenvolvidos e as regiões periféricas continuarão periféricas.

Folha - E qual é a política que pode mudar isso?
Amaral -
Vamos fazer com que as universidades mais desenvolvidas promovam cursos nas regiões, para que não tirem pesquisadores do seu Estado e da sua cidade. Eles teriam o mesmo nível de formação que no Rio e em São Paulo, mas poderiam se fixar na sua região. Outra coisa: estimular política que leve os Estados a desenvolver ciência. Se todos os Estados tiverem sua secretaria [de C&T], podemos desenvolver uma política de co-investimento: o Estado aplicando x, a União aplica o mesmo montante.

Folha - O sr. falou que pretende aumentar o valor das bolsas da Capes e do CNPq. Como?
Amaral -
Isso é um compromisso do Presidente da República. Queremos começar o processo neste ano, vai ficar muito longe daquilo que a comunidade científica deseja, mas em quatro anos [vamos] aumentar o valor das bolsas e aumentar a quantidade.

Folha - Ao assumir o cargo, o sr. criticou a retirada de investimentos de pesquisa básica para a aplicada. Mas o déficit tecnológico é grande e os recursos, limitados.
Amaral -
Esse impasse é falso. Você não tem ciência aplicada se não tem ciência. Não adianta pensar em pesquisa aplicada se eu não estou aumentando o número de doutores e mestres, se não estou melhorando os laboratórios. O que fez o governo? Depredou as empresas estatais brasileiras. Por força do modelo econômico brasileiro, que é dependente, a característica da indústria brasileira não é inovação. Temos dois tipos de empresário: um, o empresário de multinacional, que importa tecnologia de sua matriz. Para concorrer com ele, o empresário nacional não é estimulado a investir. Ele prefere pagar royalties. Isso não enriquece o país. Quem investe hoje são os institutos públicos e as empresas estatais brasileiras. As estatais sofreram privatização e depredacão, os institutos foram desintegrados e essa área ficou dependente de investimento público. Temos de encontrar uma fórmula para as empresas brasileiras investirem em tecnologia.

Folha - A usina de Angra 3 é um potencial foco de conflito entre o MCT e o Ministério do Meio Ambiente, que é contra a construção da usina. A construção será iniciada neste ano?
Amaral -
No governo passado foram tomadas as medidas básicas de logística de terreno, fixado o local, feitas as primeiras preparações. Nós vamos discutir em abril o projeto Angra 3. Em princípio o Brasil tem de diversificar sua produção de energia, mas fazer isso com segurança.

Folha - Mas com energia nuclear?
Amaral -
Eu não vejo por que, de saída, recusar uma energia.

Folha - Mas ela está sendo recusada na Europa, por exemplo.
Amaral -
O país fez um investimento monstruoso na área. Vou me reunir com o Pinguelli [Rosa, presidente da Eletrobrás] para discutirmos isso. Vamos examinar os aspectos de segurança.

Folha - A sua inclinação pessoal é por não descartar.
Amaral -
Eu não descarto. Não posso ter uma visão preconceituosa de nada. É preciso ver a relação custo-benefício. O que não se pode impedir é o desenvolvimento do país.

Folha - Esse discurso não tem um certo ponto de contato com o dos governos militares?
Amaral -
Não sei. Não me preocupo com isso. Estou preocupado em não aproveitar as possibilidades de desenvolver a ciência e a tecnologia do país.


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