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POLÍTICA CIENTÍFICA
Para Roberto Amaral, é necessário descentralizar a produção e os recursos do eixo Rio-São Paulo
Ministro pretende "nacionalizar a ciência"
23.dez.2002 - Alan Marques/Folha Imagem
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Roberto Amaral no hotel Blue Tree, em Brasília, durante o anúncio do ministério do governo Lula |
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral (PSB), disse ontem que é preciso "nacionalizar a ciência" no Brasil. Para ele,
os recursos para a área estão concentrados no Rio de Janeiro e em
São Paulo, o que condena Estados
do Nordeste e do Sul a não se desenvolverem cientificamente.
Para mudar a situação, o MCT
estuda a criação de cursos de universidades do Sudeste em outras
regiões do país. "Eles [os pesquisadores] teriam o mesmo nível de
formação que teriam no Rio e em
São Paulo, mas poderiam se fixar
na sua região", afirmou.
O cientista político Amaral, 62,
teve resistências da comunidade
científica à indicação de seu nome
para o MCT, por não ser da área, e
quase causou uma pequena crise
política ao defender o desenvolvimento de tecnologia nuclear.
Em entrevista à Folha, ele negou que tenha defendido que o
país desenvolva tecnologia de
construção de bombas atômicas, mas defendeu a não menos polêmica
construção da usina nuclear de
Angra 3. "Não posso ter uma visão preconceituosa de nada."
Amaral, que está desde sábado
se recuperando de uma pneumonia no Hospital das Forças Armadas, em Brasília, também confirmou o nome do pesquisador
Wagner Souza, do Instituto de
Biofísica do Rio de Janeiro -ex-secretário de Ciência e Tecnologia
do Rio na gestão de Anthony Garotinho- para o cargo de secretário-executivo do MCT.
Folha - A sua indicação como titular da pasta de Ciência e Tecnologia
foi recebida pelo sr. mesmo com
surpresa e com resistência da comunidade científica. Sendo de fora
da área, como o sr. pretende trabalhar para dirimir essa resistência?
Roberto Amaral - Desconheço
resistências. Eu não estou preocupado com isso. Minha preocupação é cumprir a missão que eu recebi do Presidente da República,
que foi desenvolver ciência e tecnologia no Brasil. Nós fizemos alguns avanços na área científica e
estamos muito atrasados na área
tecnológica, precisamos investir
muito nessa área.
Nós precisamos nacionalizar a
ciência no Brasil. A ciência não é
um projeto nacional. É um projeto que está preso a Rio e São Paulo. Para Rio e São Paulo são carreados 80% dos recursos do
CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico].
Folha - Como isso seria feito, com
um ministério que tem verbas contingenciadas?
Amaral - O problema é mais de
política. Hoje os mestres e doutores saem do Nordeste e do Sul para fazer mestrado e doutorado no
Rio e em São Paulo. E não voltam
mais. Terminam ficando nesses
centros. Então, os centros desenvolvidos continuarão desenvolvidos e as regiões periféricas continuarão periféricas.
Folha - E qual é a política que pode mudar isso?
Amaral - Vamos fazer com que
as universidades mais desenvolvidas promovam cursos nas regiões, para que não tirem pesquisadores do seu Estado e da sua cidade. Eles teriam o mesmo nível
de formação que no Rio e em São
Paulo, mas poderiam se fixar na
sua região. Outra coisa: estimular
política que leve os Estados a desenvolver ciência. Se todos os Estados tiverem sua secretaria [de
C&T], podemos desenvolver
uma política de co-investimento:
o Estado aplicando x, a União
aplica o mesmo montante.
Folha - O sr. falou que pretende
aumentar o valor das bolsas da Capes e do CNPq. Como?
Amaral - Isso é um compromisso do Presidente da República.
Queremos começar o processo
neste ano, vai ficar muito longe
daquilo que a comunidade científica deseja, mas em quatro anos
[vamos] aumentar o valor das
bolsas e aumentar a quantidade.
Folha - Ao assumir o cargo, o sr.
criticou a retirada de investimentos de pesquisa básica para a aplicada. Mas o déficit tecnológico é
grande e os recursos, limitados.
Amaral - Esse impasse é falso.
Você não tem ciência aplicada se
não tem ciência. Não adianta pensar em pesquisa aplicada se eu
não estou aumentando o número
de doutores e mestres, se não estou melhorando os laboratórios.
O que fez o governo? Depredou as
empresas estatais brasileiras. Por
força do modelo econômico brasileiro, que é dependente, a característica da indústria brasileira
não é inovação. Temos dois tipos
de empresário: um, o empresário
de multinacional, que importa
tecnologia de sua matriz. Para
concorrer com ele, o empresário
nacional não é estimulado a investir. Ele prefere pagar royalties.
Isso não enriquece o país. Quem
investe hoje são os institutos públicos e as empresas estatais brasileiras. As estatais sofreram privatização e depredacão, os institutos
foram desintegrados e essa área
ficou dependente de investimento
público. Temos de encontrar uma
fórmula para as empresas brasileiras investirem em tecnologia.
Folha - A usina de Angra 3 é um
potencial foco de conflito entre o
MCT e o Ministério do Meio Ambiente, que é contra a construção
da usina. A construção será iniciada neste ano?
Amaral - No governo passado foram tomadas as medidas básicas
de logística de terreno, fixado o
local, feitas as primeiras preparações. Nós vamos discutir em abril
o projeto Angra 3. Em princípio o
Brasil tem de diversificar sua produção de energia, mas fazer isso
com segurança.
Folha - Mas com energia nuclear?
Amaral - Eu não vejo por que, de
saída, recusar uma energia.
Folha - Mas ela está sendo recusada na Europa, por exemplo.
Amaral - O país fez um investimento monstruoso na área. Vou
me reunir com o Pinguelli [Rosa,
presidente da Eletrobrás] para
discutirmos isso. Vamos examinar os aspectos de segurança.
Folha - A sua inclinação pessoal é
por não descartar.
Amaral - Eu não descarto. Não
posso ter uma visão preconceituosa de nada. É preciso ver a relação custo-benefício. O que não se
pode impedir é o desenvolvimento do país.
Folha - Esse discurso não tem um
certo ponto de contato com o dos
governos militares?
Amaral - Não sei. Não me preocupo com isso. Estou preocupado
em não aproveitar as possibilidades de desenvolver a ciência e a
tecnologia do país.
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