São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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"É preciso pensar na possibilidade de aprendermos a disparar o programa da morte celular presente em todas as células; seria natural, econômico e pouparia várias pessoas idosas e suas famílias de muita infelicidade"

MORTE EVOLUÍDA

Max-Planck-Gesellschaft/France Presse - 7.out.2002
Caenorhabditis elegans, animal-modelo para estudo da morte celular programada


Lewis Wolpert
especial para o "Independent"

Estamos vivendo em meio a uma população que envelhece. A expectativa de vida quase duplicou no Reino Unido nos últimos 150 anos, graças às condições de vida artificialmente melhoradas da civilização moderna. Mas será que de fato gostaríamos que ela fosse estendida consideravelmente? Será que todos esses biólogos moleculares espertos, tendo o genoma humano nas mãos, se tornarão capazes de projetar genomas para a extensão da vida? É improvável, acreditamos todos, e pense apenas em quanto tempo demoraria para descobrir se eles estavam na pista certa. Mas fique de olho em como eles estão fazendo progresso com um humilde verme. O verme nematódeo [Caenorhabditis elegans, ou C. elegans] se tornou um dos modelos favoritos dos biólogos do desenvolvimento. Tem um número fixo de células -só 973-, e essa é uma das razões pelas quais Sydney Brenner, que ganhou um Prêmio Nobel um ano atrás por esse trabalho, escolheu estudá-lo. Uma das mais importantes descobertas a vir desse verme foi a compreensão do programa para a morte celular, ou apoptose, que todas as nossas células trazem gravado dentro de si. A morte celular deveria ocorrer quando a célula começa a assumir um estado canceroso, e a incapacidade de ativar essa trava de segurança pode ser uma má notícia. Mas as novas pesquisas com o verme trazem algumas surpresas sobre o envelhecimento.

Viver 500 anos
Esses vermes vivem cerca de 20 dias. Estudos genéticos do animal mostraram que uma mutação num gene codificador de uma proteína similar à insulina duplicava a duração da vida do verme. Se o sistema reprodutivo desses vermes for inteiramente retirado, os animais vivem quatro vezes mais. Manipulações genéticas adicionais levaram os animais a viverem por 120 dias, um aumento de seis vezes na expectativa de vida. É o equivalente a seres humanos viverem até por volta dos 500 anos de idade. Alguns vermes morreram, é claro, mas só 15% deles. Será que esses animais envelhecidos viviam uma vida boa? Algumas das criaturas modificadas geneticamente eram de fato muito paradonas, por assim dizer, e bem descoordenadas, sugerindo que tenha havido uma perda de energia associada com a vida prolongada. Mas aquelas sem as gônadas e geneticamente modificadas se moviam alegremente pela sua placa de cultura. Saber como elas se sentiam quanto à perda de seu sistema reprodutivo é uma outra história. As expectativas de vida de animais variam, na natureza, de algumas semanas a mais de um século. Presumindo que os ancestrais dos animais do presente tenham tido uma expectativa de vida mais curta, mudanças nos genes teriam ampliado a expectativa de vida de alguns animais mais de mil vezes. Embora fiquem muito aquém desse feito, os resultados com o verme nematódeo mostram que extensões notáveis da longevidade podem ser obtidas sem perda aparente de saúde ou vitalidade, com a perturbação de um pequeno número de genes e tecidos do animal. Essas extensões na expectativa de vida, que são as maiores jamais obtidas artificialmente em quaisquer organismos, são particularmente intrigantes porque a via metabólica de similares da insulina controla a longevidade em muitas espécies, inclusive animais. Esses estudos deveriam nos lembrar dos problemas dos humanos quando envelhecem. A evolução não tem lá muito interesse na qualidade de nossas vidas depois que nos reproduzimos e criamos nossos filhos para que possam se defender por si mesmos, embora haja alguma evidência de que as avós sejam selecionadas para ajudar com as crianças, e que por isso as mulheres vivam mais que os homens. A grande maioria da população não está mais trabalhando depois da idade de 65 anos, e há problemas relacionados com a qualidade de vida em seus últimos anos. Será que nossos representantes eleitos estão dando a devida atenção a esse fator?

Programa mortal
A melhor maneira de terminar a vida seria rapidamente, após um período de existência feliz e satisfatória. Bem, nem sempre é o que acontece -longe disso-, e quantias excessivas são despendidas nos últimos seis meses da vida de uma pessoa, em comparação com todos os anos anteriores. Será que realmente vamos querer tratamentos dolorosos e desagradáveis que possam prolongar a vida apenas um pouco?
Talvez o nematódeo possa ajudar, mais uma vez. Pense apenas na possibilidade de que nos tornemos capazes de disparar facilmente o programa da morte celular presente em todas as nossas células, quando estivermos prontos para ir: seria bem natural e economizaria um monte de dinheiro para os serviços nacionais de saúde, e, ainda mais importante, várias pessoas idosas e suas famílias seriam poupadas de muita infelicidade.


Lewis Wolpert é professor de biologia aplicada à medicina no University College de Londres


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