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GENÉTICA
Ao menos 700 áreas do genoma ainda sofrem seleção
DNA humano sofreu mudanças grandes nos últimos 10 mil anos
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Natureza humana? Aqueles que
acreditam que a essência da espécie está inscrita nos genes têm a
partir de agora centenas de novas
razões para concluir que ela é no
mínimo inconstante. Um estudo
da Universidade de Chicago publicado ontem no periódico
"PLoS Biology" mostrou que pelo
menos 700 regiões do genoma
humano sofreram fortes modificações nos últimos 10 mil anos,
sob pressão da seleção natural.
A espécie humana continuou e
continua a evoluir, naturalmente,
mesmo depois de mergulhar no
universo da cultura. Não só de
maneira pontual, como sugeriam
outras pesquisas, mas sistemática
(os 700 trechos representam 2,8%
dos genes humanos). São funções
tão díspares quanto metabolismo,
cor da pele e desenvolvimento cerebral. A própria vida em sociedade, com invenções como a da
agricultura, há cerca de dez milênios, parece ser um componente
crucial dessa seleção recente.
"Acredito que nossos resultados são convincentes no sentido
de que muitos genes [humanos]
estão sob forte seleção recente",
afirmou o líder da pesquisa, Jonathan Pritchard. Ele realizou o estudo com dois estudantes de doutorado, Benjamin Voight e Sridhar Kudaravalli. O time analisou
dados genéticos de 209 indivíduos de três grandes grupos populacionais (89 leste-asiáticos, 60
europeus e 60 iorubás da Nigéria).
Com a ajuda de computadores,
eles procuraram nesse palheiro
genômico agulhas indicativas de
genes que tenham feito sucesso
no passado recente da espécie.
Quando surge uma variante
(alelo) vantajosa de um gene, seus
portadores tendem a sobreviver
mais e a gerar mais descendentes,
aumentando a freqüência daquele alelo nas gerações seguintes. É a
chamada seleção natural, proposta em 1858 por Charles Darwin e
Alfred Russel Wallace como motor da evolução.
A equipe de Pritchard topou
com agulheiros variados nos três
grupos. Entre europeus, por
exemplo, foram localizadas cinco
seqüências genéticas relacionadas
com o desenvolvimento de uma
pele mais clara. Para os primeiros
habitantes da Europa, era importante que sua pele permitisse a
passagem da radiação solar, facilitando a produção de vitamina D.
Entre europeus, também, encontra-se a maior proporção
(90%) de portadores do alelo associado com a manutenção da capacidade de digerir a lactose, um
açúcar do leite, mesmo na idade
adulta. Muitos outros genes, entre
os 700 identificados, parecem ter
relação com as sucessivas alterações na dieta humana propiciadas
pelo advento da agricultura.
Entre os iorubás, por outro lado, foram localizadas variantes
genéticas relacionadas com proteínas formadoras do cabelo.
Mais importante, contudo, foi verificar que africanos também se
encontram sob a mesma pressão
evolutiva que outras populações,
ao contrário do que outros estudos propunham (com base na
idéia de que só os grupos saídos
da África precisaram se adaptar a
novas condições ambientais).
"Nossos resultados mostram
uma forte adaptação recente em
todas as populações. Com efeito,
os sinais entre iorubás são, em algumas medidas, mais fortes do
que nas populações não-africanas", afirma Pritchard.
O grupo de Chicago usou peculiaridades estatísticas de seqüências genômicas para pinçar as 700
agulhas nos 209 palheiros. Sergio
Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, avaliou o
estudo como "muito importante", mas ressalvou: "É bom lembrar que técnicas estatísticas estão
sujeitas a chuvas e trovoadas".
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