São Paulo, quarta-feira, 08 de maio de 2002

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EVOLUÇÃO

Estudo feito no Reino Unido põe velociraptor na categoria das aves e deve ajudar na classificação de novos fósseis

Dinos ganham superárvore genealógica

Divulgação
Reconstituição de velociraptor feita para o filme "Jurassic Park"


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

O temível velociraptor vai ter de abandonar de vez a classe dos dinossauros carnívoros e se juntar a uma categoria aparentemente menos honrosa, a das aves. A determinação é de um estudo publicado ontem por um grupo de pesquisadores da Universidade de Bristol, no Reino Unido, que promete acabar com a bagunça na classificação dos dinossauros.
Usando um programa de computador, os cientistas montaram uma superárvore genealógica dos dinossauros, a maior já construída para um grupo fóssil. O trabalho, que está na última edição da revista científica "Proceedings of the Royal Society", analisou 277 gêneros diferentes e deverá ajudar os cientistas a entender melhor a evolução desses animais.
Segundo o paleontólogo brasileiro Max Langer (atualmente na USP de Ribeirão Preto), co-autor da pesquisa, a idéia da superárvore é dar mais exatidão ao estudo dos dinossauros, o grupo de criaturas terrestres mais bem-sucedidas da história da vida na Terra -eles dominaram o planeta por 180 milhões de anos.
"Até agora, as análises [da relação evolutiva entre as espécies" eram parciais, e se baseavam muito nas impressões pessoais de cada pesquisador", diz. "Quisemos torná-las mais objetivas."

Escavação digital
Para montar a árvore genealógica (ou filogenética, na linguagem dos biólogos) dos dinossauros, o grupo não precisou recorrer a fósseis empoeirados de museu. "Seria um trabalho infinito", diz Langer. Além do mais, o principal autor do estudo, o biólogo italiano Davide Pisani, "nunca viu um dinossauro na vida", brinca o pesquisador brasileiro.
Em vez disso, os cientistas compilaram durante um ano dados de trabalhos publicados sobre os 277 gêneros e os usaram para alimentar um programa de computador, que montou os vários "ramos" da árvore e os reuniu.
Uma árvore filogenética é construída com base nas comparações entre características comuns a grupos de seres vivos durante a evolução. Esses traços podem ser mais "primitivos", ou seja, herdados de um ancestral comum a diversos grupos, ou mais "evoluídos" -os cientistas preferem usar a palavra "derivados"-, quando surgem numa época mais recente num grupo específico.
Um exemplo citado por Langer é o número de dedos na mão de humanos, uma característica presente em todos os primatas -portanto, primitiva. "Já o volume da nossa caixa craniana é algo mais recente, que surgiu com a nossa espécie", afirma.

Segredos de família
Por ter se baseado em trabalhos já publicados, a superárvore não traz exatamente nenhuma reviravolta na paleontologia. No entanto, ela ajuda a resolver alguns imbróglios criados pela descoberta recente de novas espécies que bagunçaram a classificação.
Uma dessas confusões diz respeito ao Brasil. Ninguém sabia com certeza qual era o ancestral mais primitivo dos saurópodes, os gigantes herbívoros pescoçudos. A nova árvore confirma: o elo perdido é o Saturnalia tupiniquim, um tampinha de 1 m e 230 milhões de anos descoberto por Langer e colegas em Santa Maria, Rio Grande do Sul.
Outro segredo de família agora revelado é a classificação do velociraptor e de seus parentes na categoria das aves, que evoluíram a partir dos dinossauros. A descoberta de penas em fósseis de animais aparentados com ele (os chamados dromeossaurídeos) já tinha feito os cientistas aproximarem os dois, mas agora não tem mais jeito: o vilão de "Jurassic Park" vai ter de se conformar em ser chamado de passarinho.
O velociraptor aparece na superárvore num "galho" mais evoluído do que aquele ocupado pelo Archaeopteryx, animal que viveu há 145 milhões de anos e é considerado a primeira ave.
"O Archaeopteryx não tem como não ser ave. Mas há dinossauros mais derivados do que ele, como o velociraptor, então [eles] não podem deixar de ser aves tampouco", afirma Max Langer. "É esquisito, mas é assim."



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