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Experimento faz imagem produzir som no cérebro
Novo trabalho do neurocientista português António Damásio mostra como a memória influencia sensação auditiva do presente
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Por que ouvimos melhor a
voz de alguém ao olharmos para seu rosto, mesmo sem sabermos ler lábios? E por que uma
canção que parece vívida num
videoclipe soa chata quando
apreciada apenas pelo rádio?
Um estudo acaba de mostrar
que informações visuais invadem áreas auditivas do cérebro,
sugerindo respostas para tal.
O artigo, publicado pela revista "Nature Neuroscience",
se baseou em um experimento
liderado pelo neurocientista
português António Damásio,
da USC (Universidade do Sul da
Califórnia). Mapeando o cérebro de algumas pessoas com
ressonância magnética, o grupo
descobriu que neurônios usados pelo cérebro exclusivamente para processar sons
também reagem a imagens.
O experimento consistia basicamente em submeter voluntários à apresentação de vídeos
curtos, enquanto uma máquina
registrava quais partes do cérebro exibiam maior atividade.
Todos os vídeos mostravam
cenas que remetiam à emissão
de sons -um vaso quebrando,
um cachorro latindo etc.-, mas
eram exibidos sem áudio.
Ao verificar quais partes do
cérebro tinham se ativado, o
grupo viu que não só áreas ligadas à visão apareciam nos mapas, como também o chamado
córtex auditivo de associação,
que lê relações entre sons.
Essa região da superfície do
cérebro faz parte de um circuito conectado diretamente ao
ouvido, e até agora era tida como exclusiva do sentido da audição. Mas como alguém poderia processar sons se os vídeos
do experimento eram mudos?
Segundo o estudo da USC, essa estrutura cerebral tida como
responsável apenas pela sensação da audição na verdade já
inicia uma interpretação inconsciente do som ouvido.
"A informação visual pode
nos fazer perceber um mesmo
som de modos diferentes", disse à Folha Kaspar Meyer,
coautor de Damásio no trabalho. Cada som que escutamos e
aceitamos como sendo uma informação pura na verdade está
contaminado com memórias
de sons passados, explica.
Pesquisadores já sabiam que
esse fenômeno ocorre com outros sentidos também, como a
visão. Mas Damásio e Meyer
mostraram que esse fenômeno
pode "vazar" de um circuito cerebral para outro, fazendo do
processamento de percepções
uma rede altamente complexa.
No experimento conduzido
na USC, a memória auditiva de
cada evento mostrado nos vídeos induzia a ativação de um
padrão de neurônios incrivelmente nítido. Isso é possível
porque o córtex auditivo decompõe os sons em frequências, dividindo-os como notas
em um partitura musical.
De fato, quando o vídeo mostrava um músico, o mapa do
córtex auditivo dos voluntários
permitia saber se este tocava
violino, contrabaixo ou piano.
Dentro de alguns anos, diz Meyer, não é impossível que algum cientista consiga plugar o
cérebro de uma pessoa em um
amplificador para dar vida a
sons criados por imagens.
E com uma imagem sendo
capaz de "ressoar" no cérebro,
não é de estranhar que música
acompanhada de filmagens soe
diferente. Se muitos videoclipes hoje não passam de embalagem de luxo para canções pobres, talvez os cineastas fiquem
felizes em saber que podem estar ajudando a melhorar o som.
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