São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2006

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Austrália tem ecossistema fóssil de 3,5 bilhões de anos

"Recife" primitivo feito por micróbios é a evidência mais antiga de vida na Terra

Achado indica que seres vivos primordiais preferiam ambiente marinho ameno e que vida já era diversificada desde o início da evolução


CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Encontrar um fóssil de 3,5 bilhões de anos, a primeira evidência direta de vida na Terra, é um evento raro. Descobrir um ecossistema inteiro com essa idade, então, é quase inacreditável. Tão inacreditável que levou três anos para que cinco cientistas australianos conseguissem provar sua existência.
Os pesquisadores fizeram um mapeamento inédito de uma formação rochosa emblemática em Pilbara, Austrália, formada por estromatólitos. Grosso modo, estromatólito é uma rocha formada por tapete de limo produzido por micróbios no fundo de mares rasos, que se acumula até formar uma espécie de recife.
Já se conhecia há mais de 20 anos a presença de estromatólitos no chamado sílex de Strelley Pool, uma formação rochosa de Pilbara datada do início do Período Arqueano (cerca de 3,5 bilhões de anos atrás).
Alguns cientistas sugeriram que aquele sílex tivesse origem biológica. Seria a evidência fóssil mais velha de vida na Terra. Essas afirmações eram contestadas por pesquisadores que diziam que os estromatólitos haviam sido formados por chaminés vulcânicas, sem envolver interação com seres vivos.
O tira-teima coube ao grupo liderado pela geóloga Abigail Allwood, da Universidade Macquairie. Sua missão foi ir a campo inspecionar uma seção de 10 km da formação Strelley Pool -e fazer a pergunta às rochas.
"Gastamos três anos, muita sola de sapato e muito pneu de 4x4 para identificar e ter acesso aos afloramentos mais remotos", disse Allwood à Folha. O trabalho compensou: na edição de hoje da revista "Nature", ela e colegas mostram que é praticamente impossível, quando se olha a formação inteira, supor que os estromatólitos de Pilbara tenham origem inorgânica.
Para começo de conversa, o grupo descobriu que os estromatólitos se formaram quase simultaneamente em toda a região, num intervalo de 80 milhões de anos. O período coincide com o fim da atividade vulcânica que um dia houve ali -e com o início de condições que Allwood compara com as da Grande Barreira de corais australiana: mares rasos e águas claras, ideais para organismos que fazem fotossíntese.
Mas o ponto crucial do levantamento foi a identificação de pelo menos sete tipos diferentes de estromatólito em Pilbara. Alguns são ondulados e lembram massa folhada; outros, caixas de ovo; outros, ainda, montes em forma de cone. As variações de forma aconteciam de acordo com variações do ambiente ao longo do "recife" de micróbios. Hoje se conhece vários gêneros diferentes de cianobactéria (um micróbio que faz fotossíntese) capazes de produzir tais formas. Por outro lado, é difícil imaginar sete mecanismos abiogênicos capazes do mesmo feito.
"O que nós temos não é mais um fóssil a dar evidência de que a vida existiu naquela época, mas um ecossistema inteiro que dá uma visão real da vida primitiva", disse Allwood.
O que pode ter implicações para as teorias sobre a origem da vida. Segundo ela, o ecossistema fossilizado indica que os primeiros seres vivos, diferentemente do que se achava, não preferiam condições extremas, como chaminés vulcânicas. "Eles floresceram durante uma pausa na atividade hidrotermal, preferindo condições marinhas "normais"."


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