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MEDICINA
Nobel de 2002 reforça noção de que modelos celulares tradicionais são cruciais para validar descobertas de genes
Prêmio casa genômica e biologia clássica
DA REDAÇÃO
Quando o britânico Sydney
Brenner propôs à Universidade
de Cambridge, em 1963, que passasse a dedicar menos energia ao
campo nascente dos estudos do
DNA para pesquisar o desenvolvimento celular num verme do tamanho de uma cabeça de alfinete,
precisou se justificar.
"Muita gente achava que a nossa abordagem era muito "biológica" e que isso iria nos afastar da
biologia molecular", escreveu.
O Nobel deste ano serviu para
calar a boca dos críticos. Ao adotar como linha de pesquisa a biologia do desenvolvimento no verme C. briggsae -que acabou sendo substituído no caminho pelo
C. elegans-, Brenner lançava as
bases para que seus ex-colaboradores John Sulston e Robert Horvitz promovessem um dos raros
casamentos felizes da genética
clássica com a genômica.
O cientista, graduado pela Universidade de Witwatersrand, em
Johannesburgo (África do Sul),
mostrou em 1974 que podia induzir mutações fáceis de observar ao
microscópio no C. elegans e verificar como elas afetavam o desenvolvimento dos órgãos do animal.
Dois anos depois, Sulston, que
assim como Horvitz fora contratado por Brenner para trabalhar
no famoso Laboratório de Biologia Molecular de Cambridge (onde a estrutura do DNA havia sido
desvendada em 1953), ampliou o
trabalho do chefe e mostrou que
as células do verme seguiam sempre o mesmo programa de divisão e diferenciação celular.
Isso o levou a concluir que determinadas células sempre morriam no processo de desenvolvimento, como se estivessem programadas para fazê-lo, e a demonstrar mutações nos genes que
participam desse programa.
Horvitz, formado na Universidade Harvard, descobriu mais
tarde os genes ced-3, ced-4 e ced-9, que controlam a morte celular
programada no verme. E aí veio o
casamento com a moderna biologia molecular que pessoas como
James Watson tanto cobravam de Brenner.
"Com o sequenciamento, descobriu-se que existia uma homologia [semelhança" desses genes
com genes de mamíferos", disse à
Folha Gustavo Amarante-Mendes, do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Só então os cientistas puderam
se lançar à tarefa de tentar aplicar
à medicina as lições aprendidas
do organismo-modelo, o verme.
Falhas
A morte celular programada é
um mecanismo de controle importante dos seres vivos. Células
defeituosas ou que estejam se
multiplicando em excesso, por
exemplo, são induzidas ao suicídio, restaurando o equilíbrio no
organismo. Uma falha num dos
genes responsáveis por esse controle pode levar à multiplicação
desordenada de células. É o que
acontece no câncer.
Há, também, casos nos quais a
segurança funciona demais: certas doenças genéticas degenerativas, como a forma hereditária de
esclerose lateral amiotrófica (síndrome de Lou Gehrig), produzem
morte excessiva de células.
Os pesquisadores esperam poder controlar os genes relacionados ao suicídio celular para produzir terapias contra essas doenças. Mas não tão cedo.
"O fenômeno já está dominado
em modelos animais", disse Marcello Barcinski, do Instituto Nacional do Câncer, que estuda
apoptose no protozoário causador da leishmaniose. "[Mas" há
muito trabalho antes do uso clínico da morte celular programada."
Segundo Amarante-Mendes, o
trabalho de Brenner, Sulston e
Horvitz traz, ainda, uma mensagem importante para quem acha
que o sequenciamento de DNA
vai resolver todos os problemas
da biologia: "São os modelos biológicos os verdadeiros responsáveis pela caracterização formal de
um dado gene". Tradução: genoma é bom, mas não é tudo.
Sulston que o diga: ex-diretor de
um dos maiores centros de sequenciamento, viu o reconhecimento a seu trabalho chegar no
rastro de um verme.
(CA)
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