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PALEONTOLOGIA
Americano afirma que fóssil famoso de réptil emplumado chinês foi forjado; descobridor nega acusação
Dino de quatro asas é fraude, diz cientista
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A AUSTIN (EUA)
O célebre dinossauro chinês de
quatro asas que deixou os cientistas boquiabertos ao ser apresentado, dois anos atrás, provavelmente não passa de uma fraude. A
acusação foi feita por um pesquisador americano e abre na academia um debate sobre honestidade
intelectual, tráfico de fósseis e colonialismo científico ocidental.
O paleontólogo Tim Rowe, da
Universidade do Texas em Austin, declarou à Folha que o fóssil
do Microraptor gui -considerado uma das maiores descobertas
científicas de 2003- foi habilmente forjado a partir de restos de
duas espécies de dinossauro e
uma de ave. E enganou até os editores de uma das principais revistas científicas do mundo, "Nature" (www.nature.com), que publicou o achado em sua capa.
"Acho que esse artigo precisa
ser desmentido", disse Rowe, em
entrevista no laboratório de tomografia computadorizada de
fósseis por raios X da universidade, que ele dirige.
O americano entende de fraudes paleontológicas. Foi ele quem
desmontou, em 2000, a farsa do
Archaeoraptor, outro fóssil chinês, trombeteado no final dos
anos 1990 como o elo perdido entre dinossauros e aves -e que
acabou entrando para a história
como a maior falsificação da paleontologia moderna.
A tomografia computadorizada
do Archaeoraptor mostrou que o
fóssil foi montado com a cauda de
um pequeno dinossauro predador e o corpo de uma ave, colados
em um pedaço de rocha por contrabandistas de fósseis chineses.
Rowe diz acreditar que o mesmo
tipo de montagem tenha sido feito no caso do Microraptor gui.
"Não consigo ver associação entre a parte anterior do fóssil [onde
está a cabeça] e a posterior [onde
está a cauda]", disse o cientista.
A espécie, descrita por uma
equipe chinesa liderada por Xing
Xu, hoje no Museu Americano de
História Natural, em Nova York, é
considerada uma descoberta revolucionária por causa das penas
longas não só nos braços ("asas")
como também nas pernas. Nela
estaria a resposta a um dos grandes enigmas da evolução: como as
aves, que descendem dos dinossauros, aprenderam a voar.
Xu e seus colegas teorizaram
que as penas do M. gui o habilitariam a saltar entre árvores com
vôos curtos, planados, como fazem hoje alguns esquilos.
Com imagens do fóssil do artigo
original da "Nature" abertas na
tela de seu computador, Rowe vai
apontando o que ele chama de
"discrepâncias" no M. gui: "As fibras das penas não parecem continuar depois da fratura na rocha.
E há uma diferença clara de densidade entre rochas que contêm diferentes partes do fóssil", afirma.
Photoshop
"Mas o que eu acho mais enervante é isso aqui." Rowe aponta,
então, para uma fratura na rocha
na fotografia do fóssil. Na tomografia, ao lado, a mesma fratura
parece apagada. "Eu não consigo explicar,
pelas leis da física, como uma fratura pode aparecer numa foto e
desaparecer numa tomografia.
Mas posso explicar pelas leis da
natureza humana. Isso parece
Photoshop para mim", afirma, referindo-se ao software que permite manipular imagens digitais.
Rowe diz que convidou Xu duas
vezes para trazer o espécime para
ser tomografado em Austin. A alta resolução do aparelho da universidade permitiria sanar quaisquer dúvidas. "Eu me ofereci para
pagar todos os custos da viagem e
o exame. Ele não aceitou."
Rowe diz que alertou o editor da
"Nature" Henry Gee sobre a possível fraude. Gee disse não ter "nada definitivo" sobre o assunto.
Procurado pela Folha, Xu disse
que não se recusou a levar o espécime para Austin. "O que aconteceu foi que, na primeira vez que
ele fez o convite, eu estava atrapalhado me mudando para os EUA.
Na segunda vez, o fóssil estava no
Japão, e eu não iria tirá-lo da exposição. Ele não é meu chefe. Não
sou obrigado a levar o espécime a
Austin. Ele não teve paciência, o
que me deixa meio com raiva."
O pesquisador, de 34 anos, que
descreveu e batizou vários fósseis
espetaculares de dinossauro emplumado da região de Liaoning,
China, afirma não ter dúvidas sobre a autenticidade do M. gui. Ele
diz que, se alguém tem evidências
em contrário, pode se sentir à
vontade para publicá-las num periódico científico -o que Rowe
não fez. "A tomografia computadorizada pode ser útil para obter
informação sem danificar o espécime, mas também é verdade que
a densidade de um único pedaço
intacto de folhelho [tipo de rocha
que contém os fósseis do M. gui]
pode mudar dramaticamente."
Ele afirma ter visto esse padrão de
preservação em pelo menos 15 espécimes de Liaoning.
Mundos em choque
Xu acusa os paleontólogos norte-americanos de tentarem monopolizar o campo e de não aceitarem o trabalho de cientistas do
Oriente. "Eles tentam dizer: "Este
é nosso campo, nós sabemos tudo
sobre ele e se você não tem as nossas técnicas, você está errado"."
Rowe diz que as visões ocidentais e orientais de padrões científicos podem ser reconciliadas pelas
novas tecnologias de imagem. Xu
rebate: "A máquina dele vai ser
juiz da autenticidade do meu espécime? Acho que não".
O jornalista Claudio Angelo viajou a
Austin a convite da SEJ (Sociedade de
Jornalistas Ambientais) dos EUA
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