|
Próximo Texto | Índice
Êxito de terapia celular ainda é eventual
Apesar do sucesso clínico das muitas experiências brasileiras, tratamento consolidado está distante, dizem cientistas
Falta saber com muito mais
detalhe o que ocorre com as
células-tronco que são
injetadas no corpo humano;
país tem 50 testes em curso
EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO
Apita o árbitro e a corrida
atrás das células-tronco tem
início. No jogo em que os cientistas brasileiros tentam driblar o adversário para conseguir chegar a uma terapia celular eficiente para seres humanos, a partida está apenas começando. E a aparência da vitória iminente pode enganar.
Do ponto de vista científico, a
maioria dos estudos tem dado
bons resultados clínicos -verdadeiros milagres, pela ótica
dos pacientes-, mas os pesquisadores ainda não sabem ao
certo o que está ocorrendo no
nível celular. A questão da segurança também é recorrente.
Segundo a Conep (Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa)
existem hoje em andamento no
Brasil 50 projetos de terapia celular aprovados por ela.
Portanto, o item segurança,
pelo menos até agora, está sendo seguido. Mas ninguém sabe
o que pode ocorrer quando as
terapias começarem a ser usadas em um número cada vez
maior de pessoas.
"No nosso caso, podemos até
considerar um tratamento. Ele
deveria até ser levado para o
SUS (Sistema Único de Saúde)", afirma à Folha o pesquisador Radovan Borojevic, da
UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro).
O estudo feito pelo cientista,
em conjunto com médicos de
Salvador, realmente obteve resultados clínicos que saltam
aos olhos. Todos os 12 pacientes com anemia falciforme tratados com as próprias células-tronco, retiradas da crista ilíaca
(a região do ossinho do quadril), tiveram melhora.
"Elas estavam com problemas sérios no fêmur. A única
solução seria o implante. Semanas após o tratamento elas
já estavam caminhando de forma normal", explica Borojevic.
O próprio pesquisador admite
que, do ponto de vista da pesquisa básica, não é possível explicar, com certeza, como o
"novo osso" é formado.
O caso dos pacientes de Salvador é apenas um dos apresentados em um congresso no
Rio de Janeiro no final de setembro. Mais de uma dezena
de histórias de sucesso também vieram à tona, envolvendo
terapias contra diabetes, doenças cardíacas e até mesmo acidentes vasculares cerebrais.
Mas o entusiasmo de alguns
grupos não é geral. Outras
equipes preferem a cautela e,
por isso, nem começaram os
testes em humanos.
"Precisamos de muita pesquisa básica. Devemos tomar
muito cuidado na interpretação dos dados. Tenho muita esperança no potencial das células-tronco, mas ainda há um
longo caminho a percorrer entre as pesquisas básicas e pré-clínicas (em modelos animais)
e o tratamento", diz Mayana
Zatz, da USP (Universidade de
São Paulo).
No laboratório do grupo da
geneticista, apenas cães foram
tratados até agora com células-tronco. A equipe estuda várias
doenças neurodegenerativas.
Dúvidas básicas
"Nós estamos sempre a procura de uma janela ética [para a
aplicação das células-tronco
em humanos]", afirma José
Eduardo Krieger, pesquisador
do Incor, também da USP.
Até hoje, a aplicação de células-tronco em humanos é feita
com muita parcimônia pelo
grupo, apenas como forma de
complementar um outro tipo
de tratamento.
No caso, indivíduos com problemas cardíacos sérios - que
se esforçam até para falar - são
os sujeitos da pesquisa. O tratamento principal, entretanto,
como foi apresentado pela primeira vez no Rio de Janeiro,
consiste em atirar contra o coração do doente com laser.
Essa operação controlada
abre minúsculos canais no
músculo cardíaco, o que ajuda
na irrigação sangüínea.
"Agora, a próxima fase, será
descobrir qual é o papel do laser e qual é o papel das células-tronco", diz Luis Alberto Dallan, também do Incor. O resultado, para os operados, tem sido semelhante ao de um renascimento disse o pesquisador.
"É importante também saber
que, apesar de tudo ser muito
promissor, estamos na fase experimental. Nenhum desses
tratamentos está consolidado.
Não podemos garantir nada
por enquanto", esclarece Lygia
Pereira, pesquisadora da USP.
De volta às picadas
Um dos casos de recaída já
registrados pelos cientistas
ocorreu nas pesquisas de um
grupo de Ribeirão Preto, em
que células-tronco foram usadas contra o diabetes. Apesar
de os resultados ainda serem
totalmente positivos, três pessoas voltaram a tomar insulina.
"Normal isso não é. Mas era
esperado. Estamos muito longe
ainda de poder falar em cura",
disse Júlio Voltarelli, um dos
autores do estudo. Como gosta
de dizer o também pesquisador
Ricardo Ribeiro dos Santos, da
Fiocruz, um entusiasta das pesquisas com células-tronco, o jogo está apenas começando.
Próximo Texto: "Nasci novamente", diz dona-de-casa Índice
|