São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

Próximo Texto | Índice

Êxito de terapia celular ainda é eventual

Apesar do sucesso clínico das muitas experiências brasileiras, tratamento consolidado está distante, dizem cientistas

Falta saber com muito mais detalhe o que ocorre com as células-tronco que são injetadas no corpo humano; país tem 50 testes em curso

EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO

Apita o árbitro e a corrida atrás das células-tronco tem início. No jogo em que os cientistas brasileiros tentam driblar o adversário para conseguir chegar a uma terapia celular eficiente para seres humanos, a partida está apenas começando. E a aparência da vitória iminente pode enganar.
Do ponto de vista científico, a maioria dos estudos tem dado bons resultados clínicos -verdadeiros milagres, pela ótica dos pacientes-, mas os pesquisadores ainda não sabem ao certo o que está ocorrendo no nível celular. A questão da segurança também é recorrente.
Segundo a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) existem hoje em andamento no Brasil 50 projetos de terapia celular aprovados por ela.
Portanto, o item segurança, pelo menos até agora, está sendo seguido. Mas ninguém sabe o que pode ocorrer quando as terapias começarem a ser usadas em um número cada vez maior de pessoas.
"No nosso caso, podemos até considerar um tratamento. Ele deveria até ser levado para o SUS (Sistema Único de Saúde)", afirma à Folha o pesquisador Radovan Borojevic, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O estudo feito pelo cientista, em conjunto com médicos de Salvador, realmente obteve resultados clínicos que saltam aos olhos. Todos os 12 pacientes com anemia falciforme tratados com as próprias células-tronco, retiradas da crista ilíaca (a região do ossinho do quadril), tiveram melhora.
"Elas estavam com problemas sérios no fêmur. A única solução seria o implante. Semanas após o tratamento elas já estavam caminhando de forma normal", explica Borojevic. O próprio pesquisador admite que, do ponto de vista da pesquisa básica, não é possível explicar, com certeza, como o "novo osso" é formado.
O caso dos pacientes de Salvador é apenas um dos apresentados em um congresso no Rio de Janeiro no final de setembro. Mais de uma dezena de histórias de sucesso também vieram à tona, envolvendo terapias contra diabetes, doenças cardíacas e até mesmo acidentes vasculares cerebrais.
Mas o entusiasmo de alguns grupos não é geral. Outras equipes preferem a cautela e, por isso, nem começaram os testes em humanos.
"Precisamos de muita pesquisa básica. Devemos tomar muito cuidado na interpretação dos dados. Tenho muita esperança no potencial das células-tronco, mas ainda há um longo caminho a percorrer entre as pesquisas básicas e pré-clínicas (em modelos animais) e o tratamento", diz Mayana Zatz, da USP (Universidade de São Paulo).
No laboratório do grupo da geneticista, apenas cães foram tratados até agora com células-tronco. A equipe estuda várias doenças neurodegenerativas.

Dúvidas básicas
"Nós estamos sempre a procura de uma janela ética [para a aplicação das células-tronco em humanos]", afirma José Eduardo Krieger, pesquisador do Incor, também da USP.
Até hoje, a aplicação de células-tronco em humanos é feita com muita parcimônia pelo grupo, apenas como forma de complementar um outro tipo de tratamento.
No caso, indivíduos com problemas cardíacos sérios - que se esforçam até para falar - são os sujeitos da pesquisa. O tratamento principal, entretanto, como foi apresentado pela primeira vez no Rio de Janeiro, consiste em atirar contra o coração do doente com laser.
Essa operação controlada abre minúsculos canais no músculo cardíaco, o que ajuda na irrigação sangüínea.
"Agora, a próxima fase, será descobrir qual é o papel do laser e qual é o papel das células-tronco", diz Luis Alberto Dallan, também do Incor. O resultado, para os operados, tem sido semelhante ao de um renascimento disse o pesquisador.
"É importante também saber que, apesar de tudo ser muito promissor, estamos na fase experimental. Nenhum desses tratamentos está consolidado. Não podemos garantir nada por enquanto", esclarece Lygia Pereira, pesquisadora da USP.

De volta às picadas
Um dos casos de recaída já registrados pelos cientistas ocorreu nas pesquisas de um grupo de Ribeirão Preto, em que células-tronco foram usadas contra o diabetes. Apesar de os resultados ainda serem totalmente positivos, três pessoas voltaram a tomar insulina.
"Normal isso não é. Mas era esperado. Estamos muito longe ainda de poder falar em cura", disse Júlio Voltarelli, um dos autores do estudo. Como gosta de dizer o também pesquisador Ricardo Ribeiro dos Santos, da Fiocruz, um entusiasta das pesquisas com células-tronco, o jogo está apenas começando.


Próximo Texto: "Nasci novamente", diz dona-de-casa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.